Ensaio sobre uma arte milenar

Clichês são uma mão na roda na hora de escrever. Por exemplo, fatos que ocorreram nesta semana me deixaram com o saco na lua, com isenção de ânimo mesmo, mas tenho que engolir a labuta e escrever esta crônica. Então, aqui, na calada da noite, no aconchego do lar, me entrego ao ardor da luta em busca de ouvir o bronze dos sinos ou ver a beleza angelical nessas mal fadadas linhas em que uso e abuso dos tais chavões.

Mais perdido que cego em tiroteio, ou cueca em lua-de-mel, e mais por fora que umbigo de vedete, continuo a preencher esta folha, meus olhos quase a verterem lágrimas de sangue. Enquanto transponho inúmeros obstáculos, faço uso dos repisados lugares-comuns para representar esse deserto de idéias em que me encontro. Talvez eu esteja em uma encruzilhada do destino, em um momento culminante, tentando plantar vento para colher tempestade.

E a tempestade não vem…

Então continuo a digitar com essas mãos cheias de dedos, seguindo campos verdejantes de frases prontas. Mas tenho uma energia inquebrantável e hei de chegar ao ponto final desta questão. Essa luz argêntea da lua me faz pensar fora da caixa, pois nem tudo o que parece é, e o que é nem sempre se faz aparente.

Os tais mil toques que faltam para concluir a tarefa me preenchem de um terror pânico, sinto um tremor interno vindo dos confins da Terra, do vazio de sentidos, da solidão da minha alma profana. Tal qual Hercules quasímodo, com peito ardente, enfrento ferozmente o flagelo da seca abrindo um flanco pelo qual se instala um estado de exceção. Inerte à dor, dou a mão à palmatória e de um só golpe digo ‘basta!’. Repetindo o nobre Pessoa, em um brado retumbante, grito: ‘Sou lúcido, Merda!’

Escrever é uma arte, que eu tento desenvolver do abismo da loucura ao fundo do meu coração. Sem falsa modéstia, procuro trabalhar um texto até atingir um denominador comum e fechá-lo com chaves de ouro. Como um ébrio inveterado, cada palavra que escrevo é um gesto tímido, um caminhar lentamente, pois devagar se vai longe, mas de vagar perdemos o sentido. As vezes meus textos surgem do âmago da questão, noutras parecem que saíram das migalhas do pão que o diabo amassou. Nesta crônica eu tentei levar ao ápice uma técnica ancestral de redação, já conhecida pelos antigos Hebreus Sumérios, estudada a fundo pela tribo perdida de Chineses Hindus e totalmente dominada pelos modernos Lamas Aborígenes da Nova Guiné: a arte milenar de encher linguiça até fechar a lauda.

Autor:

Paulo Santos

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