ARTIGO: PROFESSORES ALERTAM PARA AUTORITARISMO NOS EUA. ‘SOMOS OS INIMIGOS’

Mundo obscuro de Trump. Democracia americana sob ameaça

Professores da Universidade de Columbia protestam contra governo de Donald Trump. Imagem: Jamil Chade.

Os EUA estão vivendo “momentos sombrios” e não se pode mais descartar que o país esteja caminhando para um “sociedade autoritária”. O alerta é de Michael Thaddeus, professor de matemática da Universidade de Columbia e vice-presidente da Associação Americana de Professores Universitários.

Thaddeus tem sido um dos líderes entre os acadêmicos na resistência contra as ações do governo de Donald Trump contra o mundo universitário e fala em nome de centenas de acadêmicos americanos. Nos últimos dias, a Casa Branca iniciou o fechamento do Departamento de Educação, cortou milhões de dólares em recursos de pesquisas, prendeu estudantes, retirou vistos e barrou a entrada nos EUA de pesquisadores.

Um dos casos mais simbólicos dessa ofensiva foi a prisão de Mahmoud Khalil, graduado da Universidade de Columbia e residente legal permanente nos EUA. A tentativa de deportá-lo provocou indignação e protestos em todo o país. Mas por mais chocante que sua prisão tenha parecido, ela é parte de uma operação maior.

O Departamento de Justiça determinou o envio de investigadores a dez universidades para “monitorar e relatar atividades de estudantes estrangeiros”. Trump, enquanto isso, alerta que a prisão de Khalil na Columbia é “a primeira de muitas que virão”.

A Casa Branca também exigiu o fim de programas sobre diversidade, igualdade e inclusão das universidades.

O governo ainda cancelou US$ 400 milhões em financiamento governamental para a Columbia, a menos que a universidade cumpra uma série de exigências. Isso inclui colocar o departamento de estudos do Oriente Médio, do Sul da Ásia e da África sob “administração judicial”. Ou seja, um controle sobre os professores e estudantes. Em entrevista ao UOL, Michael Thaddeus resumiu a situação: “o governo nos considera como inimigos”.

EIS OS PRINCIPAIS TRECHOS DA CONVERSA:

O que a prisão do ativista pró-palestino Mohamed Khalil revela sobre a situação dos EUA?

Ela mostra que temos uma longa e sombria estrada ainda a ser percorrida. E mostra que corremos o risco de nos tornar uma sociedade autoritária. Vivemos um momento muito sombrio.

A democracia americana está sob ameaça?

Sim. Sem dúvida alguma. A sociedade está mais polarizada, cada vez mais vemos pessoas se alinhando a grupos identitários. O ódio está sendo autorizado, inclusive para atacar outra identidade. Essas forças são destrutivas para a democracia.

E as instituições são sólidas o suficiente para conter essa ameaça?

Eu espero que sim. Mas não tenho tanta certeza disso. A nossa instituição, no caso a Universidade de Columbia, está passando por um período muito difícil. Temos ainda um fenômeno muito profundo, que a descrença do público em relação às universidades, ao Judiciário, ao Legislativo, às agências do estado, aos centros culturais.

Parte dessa descrença é legítima. Nos últimos anos, coisas muito feias foram reveladas sobre o funcionamento dessas instituições. A descrença, portanto, pode ser um elemento de progresso. Mas é apenas parte da história. O próximo passo precisa ser o de reconquistar a crença nessas instituições. E isso precisa de uma transparência radical, a revelação sobre o orçamento, quem financia.

Por qual motivo desmontar e atacar as instituições de educação é um foco do atual governo americano?

O vice-presidente JD Vance fez um discurso, antes mesmo de se unir à campanha de Trump. Seu título já dizia tudo: “as universidades são nossas inimigas”. Eles nos veem como os inimigos, como o bastião da oposição.

Os conservadores atuais não estão preocupados em defender tradições. Nem defender o establishment. Eles querem poder e riqueza. O problema é que a verdade frequentemente se transforma num inimigo do poder e da riqueza. Essas pessoas não atuam pelo bem público. E como universidades falam a verdade aos poderosos, isso nos transforma em seus inimigos.

Como o senhor avalia a situação hoje dos EUA, diante de uma polarização e de um ataque às instituições?

Parte da explicação vem de como as pessoas hoje se informam. Passaram a usar as redes sociais para isso, o que permite que a realidade seja apresentada de forma desequilibrada e não precisa. Distorções e mentiras passaram a ser normalizadas.

Todos têm acesso a uma visão já selecionada da versão das notícias. Todos se sentem indignados e essa passou a ser a palavra central nas redes sociais. Esse, portanto, é meu diagnóstico.

Até que não tenhamos uma mudança radical na forma que consumimos notícias e que possamos entender e nos relacionar com a tecnologia de uma forma diferente, vejo apenas a situação se deteriorar.

—————–

Por Jamil Chade – Uol – NY

 

 

 

The post ARTIGO: PROFESSORES ALERTAM PARA AUTORITARISMO NOS EUA. ‘SOMOS OS INIMIGOS’ appeared first on Folha do Estado SC.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.