Arquivos sobre assassinato de Kennedy mostram temor dos EUA de avanço do comunismo no Brasil

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Documentos relacionados ao assassinato de John F. Kennedy e tornados públicos pelo governo de Donald Trump mencionam o Brasil no contexto da Guerra Fria (1947-1989), marcada pelo conflito ideológico entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética, e da influência de Cuba e da China na América Latina.

Mais de 2.000 arquivos foram tornados públicos na terça-feira (18) após decreto assinado por Trump, que ainda durante a campanha à Casa Branca havia prometido “revelar tudo” sobre a morte de JFK, como ficou conhecido o 35º presidente dos EUA, e os desdobramentos do caso. Outros lotes, totalizando mais de 80 mil páginas, devem ser liberados nos próximos dias.

Os documentos contêm detalhes sobre investigações conduzidas pela CIA, a agência de inteligência americana, e por outros departamentos do governo com o objetivo de conter o avanço do comunismo no continente.

Autoridades dos EUA monitoraram inclusive políticos brasileiros, mostram os arquivos que até então eram sigilosos. Um deles foi Leonel Brizola (1922 – 2004), à época governador do Rio Grande do Sul. Líder da esquerda, ele teria recusado uma oferta de ajuda feita pelos regimes de Cuba e China quando comandava esforços para a sucessão de poder no Brasil após a renúncia do presidente Jânio Quadros (1917 – 1992), em 1961.

Os partidos comunistas chinês, sob a liderança de Mao Tse-tung, e cubano, com Fidel Castro à frente, ofereceram a Brizola voluntários e apoio material, segundo um dos relatórios. Mas o brasileiro recusou a oferta pois temia que a iniciativa pudesse melindrar a relação diplomática de Brasília com Washington.

“Brizola obviamente tinha medo de que, se as ofertas fossem aceitas, os EUA poderiam intervir”, disse uma autoridade da CIA não identificada no relatório. O documento é parte do material que foi liberado no site do Arquivo Nacional americano.

A renúncia de Jânio abriu caminho para a Presidência de João Goulart (1919 – 1976), posteriormente deposto no golpe de Estado de 1964. Documento produzido pela CIA naquele ano afirma que, antes de os militares brasileiros tomarem o poder e instaurarem a ditadura, líderes de Cuba estavam empenhados em aumentar a influência sobre outros países latino-americanos, incluindo o Brasil.

“Antes da derrubada do presidente Goulart, Cuba estava envolvida em um esforço subversivo ativo no Brasil, fornecendo fundos, treinamento de guerrilha e propaganda, além de apoio a grupos comunistas e pró-comunistas”, afirmava trecho do relatório americano.

Os investigadores da época diziam que Havana operava principalmente por meio de sua missão diplomática no Rio de Janeiro. Segundo o documento, Cuba colaborou estreitamente com grupos camponeses no Nordeste brasileiro e com Brizola. O regime de Fidel também manteve uma “operação significativa” de propaganda no Brasil, que ainda teria servido como área de trânsito para “subversivos latino-americanos” que retornavam aos seus países depois de terem recebido treinamento em território cubano.

O mesmo documento, entretanto, dizia que a “revolta de abril” (como se referia ao golpe de Estado brasileiro) foi uma grande derrota para Havana. Outros reveses para o regime, incluindo “surtos de violência no Panamá que não conseguiram perturbar os processos constitucionais”, fizeram os líderes cubanos precisarem de um “período de respiro”.

Os documentos mostram que Washington monitorava com atenção a situação política na América Latina -e considerava o cenário preocupante. Em 1963, o ano em que JFK foi assassinado, os EUA estavam envolvidos na Guerra do Vietnã (1955-1975), a Guerra Fria estava no auge, e a Revolução Cubana triunfara havia apenas quatro anos.

No Brasil, um presidente havia renunciado, movimentos sociais ganhavam força e a inflação era alta, o que aumentava a instabilidade política. Áudio que veio à tona em 2014 mostrou que, semanas antes de ser assassinado, JFK indagou em reunião na Casa Branca se os EUA poderiam “intervir militarmente” para depor Goulart.

A ação, contudo, acabou sendo desnecessária: bastou o apoio diplomático americano para tornar bem-sucedida a derrubada do governo Goulart, o que instaurou uma ditadura militar que duraria 21 anos, até 1985.

Já o assassinato de JFK, no Texas, é rodeado de teorias da conspiração que envolvem a CIA, o FBI e a máfia. Logo após sua morte, uma comissão especial estabelecida por seu sucessor, Lyndon Johnson, chegou à conclusão que o ex-militar Lee Harvey Oswald era o único culpado pela morte -Oswald foi, ele próprio, morto por um dono de boate dois dias depois do assassinato do presidente.

Em 1979, entretanto, um inquérito da Câmara dos Representantes dos EUA afirmou que Oswald não poderia ter agido sozinho, mas não indicou que outras pessoas ou organizações estariam envolvidas. O FBI e o Departamento de Justiça sempre negaram envolvimento no caso.

TRECHOS EM QUE O BRASIL É MENCIONADO

– Leonel Brizola recusou ajuda oferecida por Cuba e China; ele liderava esforços para a sucessão de poder no Brasil após a renúncia do presidente Jânio Quadros;

– O regime cubano manteve uma “operação significativa” de propaganda no Brasil, que ainda teria servido como área de trânsito para “subversivos latino-americanos”;

– Golpe de Estado no Brasil foi “grande derrota” para o regime cubano, que acumulou revezes políticos e precisou de um “período de respiro”;

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