ARTIGO: CONCLAVE É O PRÓXIMO GRANDE OBJETIVO POLÍTICO DE TRUMP

Presidente norte-americano fuça por todos os cantos da terra

Permeado por católicos ultraconservadores e tradicionalistas, o governo de Donald Trump colocou o conclave como seu próximo grande objetivo político.

Com a participação da diplomacia americana, de deputados da base mais conservadora e uma rede de entidades e de religiosos, a Casa Branca tenta influenciar a direção que pode tomar a escolha do novo papa, caso Francisco tenha de renunciar ou não sobreviva a seus problemas de saúde.

Fontes em Washington confirmaram que os trabalhos já começaram. Ainda em dezembro, Trump anunciou a escolha de Brian Burch como o embaixador dos EUA na Santa Sé. No Vaticano, o gesto foi considerado como uma declaração de guerra contra o papa Francisco e sua linha de atuação.

Nos últimos anos, Burch acusou o papa de populismo, e de “criar confusão” ao permitir que padres abençoem casais do mesmo sexo e de flexibilizar na doutrina. Ele ainda tem sido um crítico da decisão de Francisco de destituir líderes católicos conservadores de seus cargos, entre eles o arcebispo Carlo Maria Viganó, que foi excomungado. Um sentimento de indignação ainda tomou conta dos mais radicais quando o papa afastou o bispo Joseph Strickland de sua diocese no Texas ou a retirada de benefícios do cardeal Raymond Burke.

Mas é nos bastidores que sua atuação é mais esperada neste momento. O cálculo do governo americano é de que, mesmo que o pontífice não morra no curto prazo, os próximos quatro anos serão decisivos para influenciar a escolha do novo papa. Trump terminará seu mandato com um papa que, se vivo, terá 92 anos.

Preparar o conclave, portanto, se transformou em um objetivo político da Casa Branca. Ainda que o voto seja exclusividade de cardeais e que muitos deles tenham sido nomeados por Francisco, a percepção é a de que se pode criar um “clima” de pressão e, desde já, articular nomes que poderiam se apresentar como alternativas a uma continuação da gestão de Francisco.

Do lado político, reconquistar o Vaticano seria estratégico para permitir que a agenda ultraconservadora americana ganhe a benção e a chancela diplomática da Santa Sé para ser difundida pelo mundo.

Ao anunciar seu embaixador em Roma, Trump escancarou a relação entre a política, a fé e sua escolha. “Brian é um católico devoto, pai de nove filhos e presidente da CatholicVote. Ele recebeu inúmeros prêmios e demonstrou uma liderança excepcional, ajudando a construir um dos maiores grupos católicos de defesa de direitos do país”, anunciou o republicano.

O presidente lembrou que Burch “me representou bem durante a última eleição, tendo obtido mais votos católicos do que qualquer outro candidato presidencial na história”. Os dados de fato confirmaram que os católicos optaram por Trump por uma margem de 20 pontos e foram decisivos nos estados decisivos no Cinturão da Ferrugem e no Sudoeste.

Burch sinalizou que sua missão no Vaticano iria muito além de representar Trump e, em sua declaração pública, omitiu qualquer referência ao papa. “Estou comprometido em trabalhar com líderes dentro do Vaticano e com a nova administração para promover a dignidade de todas as pessoas e o bem comum”, disse.

Nos bastidores, sua entidade tem sido fundamental para solidificar a aliança entre as alas mais conversadoras dos EUA e os republicanos. Desde 2009, o grupo fez doações de US$ 2 milhões para as campanhas de mais de 40 deputados do partido de Trump.

Ele se aliou, em 2018, a Steve Bannon para rastrear dados de localização de celulares para enviar mensagens a pessoas que estavam nas igrejas para que fossem votar. A CatholicVote também foi crítica para mobilizar o voto católico em 2024.

Nos corredores do Congresso e nos governos estaduais, a entidade é uma organização de lobby que luta contra o direito ao aborto, contra o movimento LGBT e apoia o fechamento de fronteiras.

Sua entidade ainda abriu processos judiciais contra bispos, contra o governo de Joe Biden e até contra aliados do papa. Em 2023, a CatholicVote arrecadou cerca de US$ 500 mil para tentar alterar a Constituição do Kansas para que o direito ao aborto fosse removido. Mas o processo fracassou.

Fontes em Washington explicaram ao que Burch é apenas uma das peças da engrenagem, ainda que crítica. Dentro do governo, os católicos mais tradicionais contam com representantes de peso, entre eles Tom Homam, o “czar das fronteiras”, Karoline Leavitt, a porta-voz da Casa Branca, e JD Vance, o vice-presidente.

Também são católicos Linda McMahon, secretária de Educação, Elise Stefanik, embaixadora para a ONU e que afirmou que Israel tem “direito bíblico” sobre as terras palestinas. A lista ainda inclui Marco Rubio (Departamento de Estado), Sean Duffy (Transporte), o diretor da CIA, John Ratcliffe, e Robert F. Kennedy Jr., na Saúde. Ao mesmo tempo, a Casa Branca cortou o financiamento de entidades ligadas ao papa Francisco, como a Catholic Relief Service.

Vaticano respondeu, mudando de última hora a escolha do arcebispo de Washington DC e colocando o cardeal Roberto McElroy no cargo. O religioso tem sido um dos principais críticos da política de Trump. Se não bastasse, Francisco enviou uma carta aos bispos americanos, atacando medidas de deportação do novo presidente.

A reação da Casa Branca foi imediata. Homam sugeriu que o papa se ocupasse de sua própria instituição, enquanto JD Vance disse que o argentino “precisa se olhar no espelho”.

ORAÇÃO PELO PAPA, REPLETA DE CRÍTICAS

No último dia 28, num encontro com católicos, coube justamente ao vice-presidente liderar uma oração pela saúde do papa. Mas ele concluiu sua fala indicando as discordâncias entre o papa e seu governo. “Meu objetivo aqui não é entrar em litígio com (o papa) ou qualquer outro membro do clero sobre quem está certo e quem está errado”, disse ele. “Obviamente, vocês conhecem meus pontos de vista, e eu falarei sobre eles de forma consistente porque acho que tenho que fazer isso para atender aos melhores interesses do povo americano”, afirmou.

“Acho que muitos católicos conservadores estão muito preocupados com suas críticas políticas a um determinado membro do clero ou ao líder da Igreja Católica”, disse o vice-presidente.

“Entre proteger os direitos dos manifestantes, pró-vida, entre garantir que tenhamos a oportunidade de proteger os direitos dos não nascidos em primeiro lugar e, principalmente, proteger a liberdade religiosa de todas as pessoas – mas, em particular, dos católicos -, acho que podemos dizer que o presidente Trump, embora não seja católico, tem sido um presidente incrivelmente bom para os católicos nos Estados Unidos da América”, declarou o vice-presidente sob fortes aplausos.

Vance ainda se aproximou do movimento americano conhecido como “integralismo”, que defende transformações drásticas e rápidas contra as “elites”. Para o grupo, distúrbios políticos e até econômicos podem ser necessários para atingir suas metas.

O integralismo também forjou uma aliança entre Vance e o presidente da Heritage Foundation, Kevin Roberts. Foi ele quem coordenou o Projeto 2025, uma espécie de bússola ultraconservadora e que, em 900 páginas, apresenta um plano de país. Entre os autores, 140 deles fizeram parte de alguma forma do primeiro governo Trump.

O presidente negou que tenha considerado as propostas do Projeto. Mas ativistas e democratas insistem que muitas das ideias contidas no plano já estão em andamento pela Casa Branca.

O ARTICULADOR

Outro aspecto fundamental tem sido a aproximação de republicanos e da Casa Branca aos bispos e cardeais mais conversadores, tanto nos EUA como no resto do mundo.

Um dos articuladores desse trabalho é Chris Smith, deputado republicano e que passou a ser um dos pontos de apoio dos católicos ultraconservadores. Foi a gestão do parlamentar que conseguiu retirar da Nicarágua os bispos perseguidos por Daniel Ortega. Com uma ação só, os republicanos atacaram o governo Sandinista, a esquerda latino-americana e sinalizaram para a ala conservadora do Vaticano de que estavam ao seu lado.

Na semana passada, ao receber um prêmio dos grupos católicos e com o papa já hospitalizado, ele deu seu recado, insistindo que era também sua incumbência lutar contra ditaduras e regimes que não fossem de interesse dos EUA.

APOIO AOS RADICAIS-TRADICIONALISTAS

Internamente, Trump fez questão de retribuir o apoio dos grupos de linha dura do catolicismo. Em fevereiro, ele assinou uma ordem executiva para criar uma força-tarefa na procuradoria-geral dos EUA para investigar ações na sociedade americana contra cristãos. Ele também determinou a “erradicação” de qualquer “tendência anticristã” nas agências federais, sem definir o que seria essa “tendência”.

Trump ainda indicou que criará um Escritório de Fé da Casa Branca e afirmou que houve uma tentativa de “criminalizar” o cristianismo em gestões passadas, em mais um aceno aos grupos mais radicais da Igreja.

“Em 2023, um memorando do Federal Bureau of Investigation (FBI) afirmou que os católicos “radicais-tradicionalistas” eram ameaças de terrorismo doméstico e sugeriu a infiltração em igrejas católicas como “mitigação de ameaças”. Esse memorando do FBI, posteriormente retirado, citou como evidência de apoio, propaganda de fontes altamente partidárias”, acusou.

“Essa atmosfera de governo anticristão, a hostilidade e o vandalismo contra igrejas e locais de cultos cristãos aumentaram, com o número de atos identificados em 2023 excedendo em mais de oito vezes os números de 2018. As igrejas e instituições católicas foram alvo de agressividade com centenas de atos de hostilidade, violência e vandalismo”, disse.

Nos primeiros dias de seu governo, Trump anunciou diversas medidas reivindicadas pela base religiosa e de caráter conservador. Uma delas foi a definição da existência apenas do sexo biológico em documentos oficiais, assim como a suspensão de ajuda internacional para programas que lidem com direitos reprodutivos e sexuais.

No dia 21 de janeiro, horas depois de Trump tomar posse, o vice-presidente da CatholicVote, Joshua Mercer deixou explícito que a vitória do republicano era parte de um plano maior.

“Pela graça de Deus, recebemos uma oportunidade que tem sido cada vez mais rara na história moderna: levar nossa visão de mundo política católica para os corredores da maior potência do mundo”.

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Por Jamil Chade

Do Uol Nova York

 

 

 

 

 

 

 

 

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