CHEGA DE TANTOS ‘SUPOSTOS’ E FUTUROS DO PRETÉRITO COMPOSTOS NA IMPRENSA!

Que fique claro: Mário Fernandes não “teria dito” que Bolsonaro sabia do golpe; ele disse!

O colunista do UOL, Reinaldo Azevedo disse que um espectro ronda o jornalismo e ameaça o dicionário: o emprego impróprio do adjetivo “suposto” e do advérbio “supostamente”. E que isso induz a uma agressão também à gramática. Que há uma pletora de “suposto” e “supostamente”, com seu modo e tempo verbais SUPOSTAMENTE compatíveis: o futuro do pretérito composto do indicativo. Nota: registre-se aqui o uso adequado do “supostamente”

A Polícia Federal esfrega na cara e nos ouvidos da imprensa o plano “Punhal Verde e Amarelo” para matar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do STF, e lá vem o maldito “suposto” antes de plano ou, então, o advérbio: “para supostamente matar”… Assim, o general Mário Fernandes “teria enviado” a mensagem; “teria dito que…” Há até quem diga que Jair Bolsonaro, que comandou uma reunião no dia 5 de julho de 2022 para impedir a eleição de outubro daquele ano, “teria manifestado a intenção de dar um golpe…” Ah, tenham paciência!

Vamos ao Houaiss? Transcrevo: ‘Suposto’

Adjetivo.

1 admitido antes do real estabelecimento da verdade; considerado por suposição, por conjectura; hipotético.

2 inverídico, imaginado ou fantasiado, mas dado como real.

3 fictício, falso.

4 B. N.E. postiço (diz-se de dente)

substantivo masculino (1874).

5 a coisa suposta, pressuposta ou conjecturada; hipótese, suposição.

6 fil aquilo que subsiste por si; substância”…

Está posto que o emprego não é o da filosofia, na acepção 6…

Ah, sim: aceite-se que se empregue o “suposto” como aquilo “admitido antes do real estabelecimento da verdade” quando estamos diante de versões contraditórias ou mesmo opostas de um mesmo fato. A polícia, especialmente a truculenta, sempre mata em “suposta troca de tiros”. Não havendo testemunhas e dado que o alvo já não pode falar, convém que se aguarde a investigação. Ainda assim, melhor seria atribuir a versão a quem a expressa. “Segundo a polícia, houve troca de tiros etc.”.

No caso do golpe, o plano liderado pelo general nada tinha de “suposto”, e é mentira que a intenção fosse “supostamente matar o presidente, o vice e o ministro”. Nada disso é uma conjectura, uma hipótese, uma suposição. Trata-se apenas da verdade. Que eles não tenham logrado o seu intento, bem, essa é outra conversa.

Caramba! O plano não é algo sob uma verdade desconhecida, que ainda precisa ser certificado pela realidade. O golpe não é fato porque não aconteceu, mas o propósito de desferi-lo está impresso numa máquina do Palácio do Planalto. Já se conhece a verdade, e ela pode libertar o jornalismo da falsa suposição e da praga do futuro do pretérito composto.

E saibam: essa é uma forma verbal, coitada!, que sofre um abuso permanente, sempre obrigada a desempenhar uma função para a qual não foi talhada. A sua companheira inseparável é uma oração condicional. “O general Mário Fernandes e Bolsonaro teriam dado golpe de estado, se o Alto Comando do Exército tivesse topado”; “Bolsonaro teria melado as eleições, se o TSE não tivesse resistido às suas investidas”… Aí, sim! Vale dizer: trata-se de algo que poderia ter acontecido no passado (pretérito), posterior (futuro em relação àquele pretérito) e condicionado a uma situação também passada, irrealizada ou hipotética, daí o subjuntivo.

O emprego do futuro do pretérito composto desacompanhado de uma condição também passada virou um vício na imprensa que serve a vários propósitos:

– fazer uma acusação sem querer se responsabilizar por ela: “Fulano teria matado, teria roubado, teria corrompido”… Sempre se pode escapar: “Eu disse que teria, não que fez…”

– praticar “outro-ladismo” para demonstrar isenção:

“O MPF afirma que Fulano teria roubado, teria matado, teria corrompido”.

Uma nota aqui: se o MPF afirma que matou, ele afirma. Isso não quer dizer que matou. A atribuição tem autoria.

Para não dar a entender, no entanto, que o jornalismo está comprando a versão de um dos lados, viola-se a regra do emprego do tempo/modo verbal e se desinforma: ora, se o MPF acusa, ele acusa fulano de fazer alguma coisa. E ponto. Quando se recorre à construção “Segundo o MPF, fulano teria feito”, desinforma-se. Segundo o MPF, ele fez.

Uma nota aqui: se o MPF afirma que matou, ele afirma. Isso não quer dizer que matou. A atribuição tem autoria.

Para não dar a entender, no entanto, que o jornalismo está comprando a versão de um dos lados, viola-se a regra do emprego do tempo/modo verbal e se desinforma: ora, se o MPF acusa, ele acusa fulano de fazer alguma coisa. E ponto. Quando se recorre à construção “Segundo o MPF, fulano teria feito”, desinforma-se. Segundo o MPF, ele fez. E, claro!, a expressão mais perversa junta o futuro do pretérito composto ao adjetivo “suposto” e ao advérbio “supostamente”.

PARA DEIXAR CLARO: o general Mário Fernandes não teria supostamente elaborado o “Plano Punhal Verde Amarelo”; ele elaborou. Pretérito perfeito do indicativo. Fato no modo certeza; o bando dos “kids pretos” não teria organizado suposta operação para sequestrar o ministro Alexandre de Moraes. Organizou. As provas demonstram que sim. Pretérito perfeito do indicativo. Fato no modo certeza. Não é suposição.

– Bolsonaro não teria dado sinal verde para supostamente desfechar um golpe de Estado. A reunião de 5 de julho de 2022 prova que ele deu. Pretérito perfeito do indicativo. Fato no modo certeza. Temos o vídeo. Não é suposição;

– Ah, sim! O general não teria dito que Bolsonaro sabia do plano golpista. Ele disse. E, segundo afirmou, o presidente “não teria discutido” a data com ele; o presidente discutiu (segundo, reitere-se, o militar). Tudo fato no modo certeza. Não são suposições.

A imprensa tem direito às próprias opiniões, mas não aos próprios fatos. Nem à própria gramática.

VAMOS DISCIPLINAR ESSE TROÇO

Tenho a certeza de que leitores, internautas, ouvintes e telespectadores se sentirão mais seguros sobre a qualidade da informação…

ENCERRO

Se algum jornalista tem dúvidas a respeito, coloque na nossa rotina de trabalho com outros da redação um monte de “futuros do pretérito composto”, acompanhados dos “supostos”… Seria impossível trabalhar. E isso não é uma suposição. Por que o público mereceria o mar da incerteza?

Por Reinaldo Azevedo – Colunista do UOL

 

 

The post CHEGA DE TANTOS ‘SUPOSTOS’ E FUTUROS DO PRETÉRITO COMPOSTOS NA IMPRENSA! appeared first on Folha do Estado SC.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.