Em turnê que celebra novo disco, Clarice Falcão relembra álbum que ‘ninguém ouviu’ e analisa carreira: ‘Não tenho vocação para ser gigante’


Cantora se apresentou no Lobofest, em Sorocaba (SP) neste sábado (27), após oito anos sem visitar a cidade. Ao g1, ela contou sobre o processo criativo do quarto álbum de estúdio, “Truque”, e relembrou momentos que marcaram sua carreira. Clarice Falcão durante show no Lollapalooza 2022
Marcelo Brandt/g1
As vidas são suscetíveis às transformações pessoais e profissionais, mas por outro lado, existem pequenos empecilhos que não mudam de jeito nenhum. No caso de Clarice Falcão, sua eterna “pedra no sapato” são os funcionários de seu banco, que ainda ligam procurando por Marta, oito anos depois do lançamento da canção de mesmo nome.
📲 Participe do canal do g1 Sorocaba e Jundiaí no WhatsApp
A cantora, antes de se apresentar em Sorocaba (SP) neste sábado (27), conversou com o g1 sobre o processo criativo de seu quarto álbum de estúdio, “Truque”, e relembrou momentos que marcaram sua trajetória musical, que começou a ser trilhada em 2012.
A última apresentação de Clarice na cidade aconteceu em 2016, no Sesc, turnê do segundo disco, “Problema Meu”. Agora, retornando para o Lobofest, ela afirma que a sensação é completamente diferente, quando comparada à um show comum.
“Me recordo de ter curtido muito aquele show mas, agora, sinto que terei uma outra visão de Sorocaba, pois uma coisa é ir tocar para um pessoal que foi unicamente para te assistir. Em festival, é tocar para gente nova, conhecer o lugar melhor, ter uma visão geral de toda a galera. É uma magia completamente diferente. Estou ansiosa!”, conta.
O show é parte do calendário de sua nova turnê, que leva o mesmo nome do último disco. Em uma série de apresentações que percorrem o país, a artista compara o seu desenvolvimento musical desde o início da carreira, que começou com o lançamento do extended-play (EP) homônimo, há cerca de 12 anos.
Capa e tracklist do álbum ‘Truque’, de Clarice Falcão
Divulgação/Montagem g1
Trilogia
“Eu considero que tive uma trilogia de discos, que são muito diferentes um do outro. No ‘Monomania’, eu falava muito sobre o primeiro amor, enquanto o ‘Problema Meu’ contrasta com a desilusão. O ‘Tem Conserto’ é muito mais sobre autoconhecimento. ‘Truque’ é a junção de tudo isso. Eu peguei um pedaço de cada disco e juntei, na sonoridade e na narrativa. Há acordes delicados, há um lado eletrônico e até mesmo uma anarquia. Sou muito orgulhosa desse trabalho, ele representa uma visão 360 de mim”, afirma.
O projeto se destaca por ser um “álbum visual”, onde todas as faixas possuem um clipe. Para ela, a ideia de uma produção mais elaborada surgiu após a percepção da síntese de várias “versões” de Clarice em um único trabalho.
“Quando olhei pro disco e falei ‘Cara, nunca tive algo que me representasse tanto assim’, quis que a parte visual também fosse tão amarrada quanto. Fiz clipes para todas as canções, que são interligados. O design gráfico do disco também representa diferentes dimensões, Clarices com pequenas diferenças, é um conceito de como se as pessoas estivessem enxergando muitos lados”, explica.
Em Sorocaba, Clarice Falcão relembra álbum que ‘ninguém ouviu’ e analisa carreira
“Um disco que ninguém ouviu”
Analisando sua carreira, a ex-Porta dos Fundos relembrou o lançamento de seu terceiro álbum, “Tem Conserto”, que completou cinco anos em junho deste ano. Para comemorar, Clarice postou um vídeo no TikTok, que viralizou ao referir como “um disco que ninguém ouviu”.
No vídeo, a cantora explica, de forma bem humorada, como foi o processo criativo do trabalho, que consistiu em um sofá, alguns aparelhos profissionais e muitas garrafas de bebidas alcoólicas. Para o trabalho seguinte, Clarice revela que a composição seguiu da mesma forma (assista acima).
“Nós fizemos a composição exatamente assim. Sentados no chão. Teve até um fim de semana que fomos para uma casa e montamos tudo no piso. No ‘Tem Conserto’, dava para ver que tudo era feito de maneira independente, porém, desta vez, resolvemos investir e finalizar direitinho, com uma mixagem profissional”, pontua.
Ao contrário do esperado, a intérprete de “Eu me Lembro”, diz que já esperava a baixa recepção do público com o álbum. Ela relembra que, na época de “Monomania”, ela sentiu que perdeu a sinergia com os ouvintes.
“Eu tenho uma relação muito horizontal com o meu público. Eu não tenho vocação para ser gigante, em ‘Monomania’, eu senti que perdi a conexão com as pessoas. Os shows eram sempre lotados, mas havia gente que achava que era stand-up (risos). Uma vez, chegaram a invadir o palco e, quando pedi para a pessoa cantar a música, ela não sabia a letra. Eu passei a ficar mais confortável com um público que realmente olha no meu olho”, revela.
Clarice Falcão na série ‘Eleita’
Divulgação/Prime
“Sou muito de comunicar. Não quero fazer um trabalho hermético que ninguém entenda além de mim, e sim emocionar quem quer se emocionar comigo. Era um disco onde eu falava muito sobre transtornos e saúde mental, como depressão, compulsão, entre outros. Ele não me decepcionou em nada, muito pelo contrário, não faria nada diferente”, complementa.
O trabalho, lançado em 2019, é descrito pela artista como “nichado”. Ele também possui uma sonoridade eletrônica, diferente do que Clarice havia lançado até então.
“Ele é de um lado muito específico meu. Com um tema delicado, que não é digerido facilmente. As pessoas se identificam, mas não é todo mundo, entende? Não é todo mundo que pensa ou gosta de pensar sobre isso. O som também é diferente, puxado para o eletrônico. Às vezes, as coisas podem perder um pouco da personalidade se você quer agradar todo mundo. Ele tem uma cara”, opina.
Durante a produção de “Tem Conserto”, Clarice chegou a trabalhar com Organzza, drag queen que venceu a primeira temporada do Drag Race Brasil, versão brasileira do famoso reality estadunidense apresentado por RuPaul, também drag. A cantora conta que a comunidade LGBTQIA+ sempre esteve presente em sua vida.
Clarice trabalhou com Organzza, vencedora da primeira temporada do ‘Drag Race Brasil’
Reprodução/YouTube
“Sempre fui chamada pelos meus amigos de ‘menina Mogli’. Sempre andei com pessoas da comunidade desde a infância. Por muito tempo, tive apenas amigos, homens gays. Poucas amigas, mulheres, existiam no meu círculo. Finalmente eu tenho uma amiga, é muito bom ter amigas! (risos)”.
“Fora do armário”
A compositora, que é abertamente bissexual, comenta que “sair do armário” foi um momento importante para sua vida, mesmo após os 20 anos. Ela descreve uma forte identificação com a comunidade.
“Eu, como bissexual, não só me sinto parte e me identifico com a comunidade, eu fui criada nela. Me assumi razoavelmente tarde, já depois dos 20 anos, mas foi um momento muito bom para a minha vida e relacionamentos. A formação pessoal foi muito grande”, conta.
Clarice ainda relembra momentos de sua vida em que esteve presente na comunidade, visitando festas voltadas para o público. Ela afirma que é possível sentir quando o artista está apenas produzindo ‘pink money’, isto é, dinheiro e visibilidade a partir da cultura LGBTQIA+.
“Eu cresci com isso. Dá para ver quando a artista está fazendo ‘pink money’. O ‘Tem Conserto’ possui muito do eletrônico, como disse anteriormente. Antes dele, frequentei muito a ‘Mamba Negra’, famosa festa queer eletrônica da capital. Eu estava lá às 5h da manhã vivendo tudo aquilo. É uma coisa que dá para sentir. Eu sou, eu faço parte de tudo isso”, reforça.
QIAPN+: entenda como novas letras da sigla LGBT reforçam busca por representatividade
Apesar de ter lançado um projeto no ano passado, a artista admite que já tem trabalhado em novas canções.
“Eu tinha essa ‘coisa’ de lançar material de três em três anos, principalmente para conciliar com os meus trabalhos de atriz. Estou morrendo de vontade de já lançar música nova. Tenho algo que já está na finalização, quem sabe, de repente, eu não cante um pouquinho deste material nos próximos shows da turnê. Quero colocar música no mundo”, compartilha.
Clarice Falcão durante show
Marcelo Brandt/g1
“Marta, é urgente!”
Ao g1, Clarice conta que, mesmo após oito anos, ainda recebe ligações de funcionários do banco em busca da desconhecida Marta, mulher a qual ela fez uma canção retratando explicitamente o descontentamento em ser telefonada o tempo todo.
Na letra, em tom irônico, ela diz “Marta, é urgente, tem gente do banco querendo falar com você […] Marta, eu não te conheço. Marta, seu rosto é um breu. Marta, eu pago este preço porque o seu número deve ser bem parecido com o meu”. Aos risos, ela admite que a mulher ‘lhe persegue’ até hoje.
“Cara, não parou. Eu não atendo mais números desconhecidos que me ligam, mas assim, mensagem é uma coisa insuportável. Eu continuo recebendo gente atrás da Marta mesmo todo esse tempo depois. Eu já me acostumei para sempre”, brinca.
*Colaborou sob supervisão de Matheus Arruda
Veja mais notícias da região no g1 Sorocaba e Jundiaí
VÍDEOS: assista às reportagens da TV TEM
Adicionar aos favoritos o Link permanente.