A Morte Inconveniente de Leônidas, a Cacatua da Boate

Amigo, vou contar pra você um fato que ocorreu já tem muitos anos. Peço, em nome da nossa amizade, que esse assunto fique só entre nós. Promete guardar segredo?… Jura? Tá bom, vou contar, vá pegando postura na cadeira.

Leônidas passou toda sua vida na Boate da Esmeraldina, conhecida no pedaço por Dina. Não que ele fosse um frequentador por vontade própria, mas sim, por força do destino. Abandonado por sua mãe no ambiente de trabalho, Leônidas nasceu o cacatua mais lindo do pedaço. Viveu ali, no meio dos espelhos, das luzes vermelhas e das mulheres de brilho nos cílios, considerando aquele ambiente o seu lar.

Já adulto, ajudava na boate imitando os frequentadores, falando palavrões e pedindo — não café, mas dinheiro… e outras coisas que você pode imaginar. Era quase um show à parte. Até que, numa fatídica noite de sexta-feira, um mal súbito levou nosso Leônidas direto para o paraíso das aves.

Sua morte só foi notada quando os trabalhos da boate foram encerrados. Ruth, uma das profissionais, gritou em pânico:

— Gente… a cacatua morreu!

Pronto. Antes que o véu negro da morte caísse por completo sobre aquele ambiente, dona Esmeraldina já foi se preocupando:

— Deus… e agora? A nossa feijoada do sábado não pode parar!

Decidiram, então, colocar o Leônidas atrás da radiola de ficha, como se estivesse apenas descansando. Beth, outra funcionária, ainda queria ligar a radiola, argumentando que o falecido gostava de música e isso seria uma homenagem.

— Deixa, Dina. O bichinho gostava tanto do Bartô Galeno…

— Tá certo, mas ponha baixo. Sei lá se frequência sonora interfere no metabolismo cadavérico de cacatua.

Essa observação fez Samantha, a última aquisição da casa — vinda diretamente de Acapulco (ela assistiu ao episódio do Chaves e achava lindo esse nome) — levantar uma sobrancelha, mas não disse nada. Estava ainda se adaptando.

A noite passou e, por volta das onze da manhã, a freguesia da feijoada começou a chegar. Destaque para Emílio, estudante de enfermagem, que tinha amizade com toda a equipe da casa.

— Bom dia, garotas! O cheiro da feijoada está na esquina. Mudou os temperos?

Com lágrimas nos olhos, Neide afirmou que era uma especiaria tropical que um caminhoneiro tinha deixado de lembrança.

Terminado o serviço, apenas o Emílio pergunta pela cacatua.

— Neide, estou sentindo falta do Leônidas.

Foi quando toda equipe resolveu contar o caso ao já considerado Doutor Emílio.

— Meu filho — falou a anfitriã — o nosso querido Leônidas bateu asas e foi para o paraíso.

— O quê, a cacatua foi pra Florianópolis? Voando ou de carona?

— Que porra de Floripa! — falou a Neide, já puxando a radiola de fichas do local e apresentando o corpo da estimada ave, que a essa altura parecia um espanador.

E Dina, aproveitando os conhecimentos do futuro farmacêutico, pergunta:

— Dá pra empalhar o bichinho?

— Dá, mas é uma grana.

— Mais de 70 reais? — pergunta Beth, já revirando a bolsa.

— Muito mais. Coisa de 10 ou 20 mil.

— Vixe, não vai dar. Mesmo que eu faça hora extra, não chega a tanto.

— Então vamos salgar o bichinho e manter ele no freezer como uma eterna lembrança — falou a filosófica Samantha Acapulco, como ficou conhecida.

O Emílio, querendo dar um choque de realidade nas meninas, levanta-se e, pegando a cacatua, bate seu corpinho rígido na radiola, falando:

— Gente, isso é só uma carcaça! O nosso querido Leônidas está no paraíso! — e, segurando a cacatua pelos pés, continua a martelar a ave no móvel.

Era uma cena grotesca: as mulheres gritando, chorando, e o Emílio atracado na cacatua, dando o golpe final que rachou ao meio a radiola de ficha.

— Agora lascou — comenta Esmeraldina. — Vamos, meninas: peguem um saco grande, coloquem o que sobrou da cacatua e da radiola e entreguem ao Emílio. E não se fala mais nisso. Doutor Emílio, só me bote os pés aqui com um home theater novo. Passar bem.

Foi assim que dona Esmeraldina e suas meninas se livraram da importuna cacatua e ainda ganharam um som novinho em folha.

Gostou, quer mais?

Essa é só uma amostra do que passa pela minha cabeça — e pelo meu teclado.

Se quiser apoiar esse trabalho insano, cheio de humor, ironia e tragédias bizarras (com cacatuas ou sem), conheça meu espaço no Apoia.se:

👉 apoia.se/lucianofernandes

Ajude a manter a boate funcionando, a radiola tocando e, quem sabe, até uma nova ave de estimação!

O post A Morte Inconveniente de Leônidas, a Cacatua da Boate apareceu primeiro em Jornal Tribuna.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.