O orçamento federal aprovado para 2025 prevê R$ 4,6 trilhões em despesas. Deste total, impressionantes 42,96% – cerca de R$ 1,997 trilhão – serão destinados ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública. Para efeito de comparação, a Previdência Social ficará com 21,16%, transferências a estados e municípios com 11,7%, e a saúde pública com apenas 4,16%.
Vamos entender o que Juros verso Amortização?
•Juros: é o valor que o governo paga pelo “aluguel do dinheiro” tomado emprestado — o custo de manter a dívida.
•Amortização: é a devolução do valor principal emprestado — o “corpo” da dívida.
Portanto, o valor de R$ 1,997 trilhão engloba tanto os juros como as amortizações previstas para todo o ano.
Diante desses números, uma pergunta emerge de forma quase inevitável: por que o Brasil gasta tanto com sua dívida pública? E, ainda mais provocador: será que o Banco Central contribui para esse quadro ao manter os juros elevados?
A lógica da Selic e o controle da inflação
A taxa Selic, definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, é o principal instrumento utilizado para controlar a inflação. Em tese, juros mais altos desestimulam o consumo e o crédito, ajudando a conter a alta de preços. Essa política é fundamentada no regime de metas de inflação adotado pelo Brasil desde 1999.
Quando a inflação ameaça sair do controle, o Banco Central eleva a Selic para “esfriar” a economia. Quando a inflação está sob controle, a expectativa seria de corte nos juros para estimular o crescimento. O problema é que, mesmo com a inflação dentro da meta, a Selic tem permanecido elevada por tempo prolongado, gerando impactos severos nas contas públicas.
O impacto direto na dívida pública
Para onde vai o dinheiro do Brasil? Em 2025, o orçamento federal será de R$ 4,6 trilhões. Quase metade — 42,96% — vai para juros e amortizações da dívida pública: são R$ 1,997 trilhão destinados aos credores. Enquanto isso, áreas essenciais ficam com fatias bem menores: * Previdência Social: 21,16% * Transferências a estados e municípios: 11,07% * Saúde Pública: apenas 4,16% É o reflexo direto de uma política de juros altos que prioriza o sistema financeiro em detrimento da população.
Boa parte da dívida pública brasileira é indexada à taxa Selic. Portanto, quando a Selic sobe, o custo dos juros aumenta automaticamente, pressionando o orçamento federal. Isso gera um efeito perverso, em que recursos públicos são canalizados prioritariamente para o pagamento de credores, em detrimento de áreas essenciais como saúde, educação, infraestrutura ou programas sociais.
Por que a dívida pública está atrelada à taxa Selic?
Para entender essa vinculação, é necessário olhar para o contexto histórico e técnico que moldou a estrutura da dívida brasileira. Durante os anos 1990 e início dos 2000, marcados por crises econômicas, inflação elevada e desconfiança dos mercados, o governo precisou emitir títulos da dívida que oferecessem segurança e atratividade aos investidores. A solução encontrada foi vincular parte significativa dos papéis à taxa básica de juros da economia — a Selic.
Títulos indexados à Selic, como as LTS (Letras Financeiras do Tesouro), garantem rentabilidade previsível e de baixo risco. Isso os torna mais fáceis de negociar, mais líquidos no mercado e mais confiáveis em cenários de instabilidade. Ao optar por esse formato, o governo também reduz a necessidade de oferecer prêmios maiores para rolar a dívida, pois esses papéis já oferecem retorno garantido.
Com o tempo, esse modelo se consolidou como padrão. No entanto, ele carrega uma consequência grave: quando o Banco Central aumenta a Selic para controlar a inflação, o impacto sobre o orçamento é imediato e profundo, ampliando o custo do endividamento público. Ou seja, o próprio mecanismo utilizado para estabilizar a economia onera o Estado, comprometendo a capacidade de investimento e gerando uma transferência contínua de recursos para o setor financeiro.
Trata-se de uma lógica que serviu a um momento específico de instabilidade, mas que, mantida sem revisão, se transforma em um ciclo vicioso de concentração de renda e desinvestimento público.
Benefício para poucos, custo para muitos
Embora o discurso oficial seja o de combate à inflação, há críticas consistentes de que a política de juros altos beneficia o setor financeiro em detrimento da sociedade. Com a Selic elevada, os títulos da dívida pública tornam-se altamente rentáveis, especialmente para grandes investidores e instituições financeiras. Trata-se de um modelo que transfere recursos públicos para poucos, com impactos concentrados no topo da pirâmide.
Essa lógica alimenta o chamado “rentismo”, no qual o lucro não vem da produção, mas da especulação financeira garantida pelo próprio Estado.
Alternativas e o debate necessário
Manter os juros altos por tempo excessivo em um país de economia estagnada e desigual como o Brasil pode ser tão danoso quanto a própria inflação. É urgente abrir o debate sobre novos caminhos para a política monetária, levando em conta o equilíbrio entre controle inflacionário e estímulo ao desenvolvimento.
Políticas que envolvam reforma tributária progressiva, revisão das isenções fiscais, combate à sonegação e maior transparência na composição da dívida pública são fundamentais para repensar o papel do Estado.
Afinal, o orçamento não é apenas um conjunto de números – ele expressa as escolhas políticas de uma nação. E, hoje, o Brasil escolhe priorizar o pagamento da dívida, mesmo que isso custe o bem-estar de milhões de brasileiros.
José Santana é jornalista, graduado em Gestão Pública e pós-graduando em Direito Constitucional e Direito Administrativo pela Universidade Manter. Responsável pelo portal Folha do Estado SC, especializado em jornalismo investigativo e análises técnicas, tem experiência na cobertura de temas políticos, econômicos e sociais. Atualmente, desenvolve pesquisas sobre reformas legislativas, combate à corrupção e o impacto das políticas públicas no desenvolvimento nacional.
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