Após o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitar a denúncia por tentativa de golpe contra Jair Bolsonaro (PL) e sete aliados, na semana passada, membros da Corte e da Procuradoria-Geral da República anunciaram decisões que parecem baixar a pressão sobre o ex-presidente e o seu espectro político. Entre os objetivos podem estar uma tentativa de diminuir críticas sobre parcialidade judicial e evitar uma possível retaliação dos Estados Unidos a abusos de censura e extrapolação de poderes.
Entre as ações que podem ser entendidas como recuos estão o arquivamento de dois inquéritos contra Bolsonaro – pelos crimes alegados de importunar uma baleia e fraudar seu cartão de vacinas -, a conversão da prisão da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos para o regime domiciliar e até a liberação de um réu para tratar de câncer.
Houve ainda a decisão de Moraes de arquivar, nesta quarta-feira (2), o pedido de prisão preventiva de Jair Bolsonaro feito por uma vereadora petista de Recife e submetido pelo ministro ao Procurador Geral da República, Paulo Gonet, que deu parecer contrário. Esse gesto também foi visto por alguns com outro recuo. Mas o peso do impacto do acolhimento da denúncia na semana passada fala mais alto.
Esse suposto abrandamento da sempre implacável postura da Corte representa só um “recuo tático” diante da crescente percepção – dentro e fora do país – de que o Judiciário do Brasil persegue a direita.
Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a tendência principal continua sendo de o STF condenar todos os réus, com a diferença de se buscar nesse meio tempo evitar a exposição de situações extremas que reforçam a tese de parcialidade judicial e alimentam a narrativa da oposição. De toda forma, não há sinais reais de revisão do antagonismo da Corte em relação à oposição.
Com relação aos casos citados anteriormente, após forte pressão nas redes sociais e no Congresso, sobretudo quando Moraes votou por 14 anos de prisão para a cabeleireira Débora dos Santos, o próprio juiz relator acabou autorizando, na última sexta-feira (28), a prisão domiciliar dela, julgada por pichar a estátua “A Justiça” durante protestos na Praça dos Três Poderes. Débora já estava presa há dois anos e o ministro Luiz Fux prometeu defender uma pena menor para ela.
Na sexta-feira (28), Alexandre de Moraes também arquivou a investigação que apurava suposta falsificação de certificados de vacinação contra a Covid-19 por Bolsonaro. A decisão atendeu a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), que considerou não haver elementos suficientes para responsabilizar o ex-presidente. Aliados de Bolsonaro afirmam que o inquérito da vacina foi usado apenas para praticar pesca probatória, ou seja, investigar telefones celulares e interrogar pessoas ligadas ao ex-presidente para levantar evidências contra ele em outros casos.
O Ministério Público Federal (MPF) também pediu o arquivamento de um caso que investigava Bolsonaro por ter se aproximado de uma baleia com uma moto aquática no litoral de São Sebastião (SP), em 2023. Uma lei proíbe a aproximação desse tipo de animal. A procuradoria entendeu que não houve intenção de Bolsonaro de molestar o cetáceo.
Moraes também concedeu, na semana passada, prisão domiciliar a Jaime Junkes, 68 anos, que está com câncer e foi condenado a 14 anos de reclusão por participar dos atos de 8 de janeiro de 2023. Em 21 de março, o ministro havia negado o pedido da defesa nesse sentido, autorizando só saídas temporárias para tratamento médico.
Na segunda-feira (31), o ministro ordenou o desbloqueio das contas bancárias do jornalista Rodrigo Constantino, que mora nos EUA. A defesa de Constantino havia solicitado a liberação dos recursos para custear seu tratamento contra o câncer.
Nesse mesmo dia, Moraes ainda autorizou que o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, faça viagem para São Paulo, para acompanhar a filha em um campeonato de hipismo.
Bolsonaro descarta avanços nas decisões de Moraes e aponta “cinismo jurídico”
Jair Bolsonaro criticou as recentes decisões de Moraes de fazer concessões e disse que as ações ocorreram por pressão popular. Sobre a concessão de prisão domiciliar para Débora dos Santos, ele afirmou: “Não estamos comemorando um avanço. Estamos testemunhando um recuo tático. E ainda coberto de cinismo jurídico”.
O ex-presidente também mencionou que, embora a decisão permita que Débora esteja com seus filhos, ela ainda enfrenta restrições, como o uso de tornozeleira eletrônica e proibição de entrevistas sem autorização judicial.
Sobre o arquivamento do inquérito que investigava suposta falsificação de dados de vacinação contra a Covid-19, Bolsonaro chamou a investigação de “frágil” e uma “narrativa distorcida” criada para prejudicá-lo politicamente.
Bolsonaro ironizou o arquivamento do inquérito pelo qual era investigado por suposta importunação a uma baleia, por ter pilotado uma moto aquática próximo ao animal, no litoral norte de São Paulo, em 2023. Uma charge compartilhada pelo ex-presidente na segunda-feira (31) mostra uma baleia no tribunal sob a frase: “Baleia presta depoimento contra Bolsonaro”.
Para Bolsonaro, as iniciativas são apenas tentativas de minimizar críticas sem, contudo, corrigir o que considera injustiças cometidas contra seus aliados e apoiadores.
Para especialistas, Moraes e STF tentam apenas evitar desgaste maior da imagem
Segundo o cientista político Antônio Flávio Testa, as recentes decisões do STF indicam possível movimento orquestrado para tentar conter a ameaça de sanções internacionais, especialmente pela aplicação da Lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes e, por tabela, outros.
A Lei Magnitsky permite ao governo dos Estados Unidos aplicar sanções a autoridades estrangeiras envolvidas em violações a direitos humanos ou casos graves de corrupção.
“Diante da expectativa de efeito dominó, recuaram. Mas ainda falta muito para conter as pressões e ainda jogam contra [a estratégia da Corte] a negativa para libertar o ex-deputado Daniel Silveira e a tentativa de chantagear Gilberto Kassab, presidente do PSD, para barrar o apoio de seu partido ao projeto da anistia dos réus do 8 de janeiro”, avalia.
Paulo Kramer, consultor eleitoral e professor de Ciências Políticas, vê na conversão do regime carcerário de Débora dos Santos e no arquivamento de duas ações contra Bolsonaro o reflexo da crescente indignação da opinião pública com o “rigor persecutório” do STF em geral e, em especial, do ministro Alexandre de Moraes.
“Batalhas como essas merecem ser comemoradas, mas é preciso ter bem claro que a guerra pelo pleno restabelecimento dos direitos civis e das liberdades democráticas será prolongada, haja vista a recente recusa da liberdade condicional para o ex-deputado Daniel Silveira. E isso para não falar do esperado julgamento de cartas marcadas contra Bolsonaro e seus auxiliares”, comentou.
Para o cientista político Leandro Gabiati, diretor da Dominium Consultoria, ao diminuir parcialmente a intensidade em algumas das suas muitas frentes de conflito, o STF “provavelmente tenta se preservar do desgaste natural que implica apreciar assuntos politicamente sensíveis”.
“A divergência faz parte essencial da democracia, mas, no plano estratégico, quando olhamos para o STF, constatamos que há diversas agendas que geram atrito institucional constante com o Congresso, e especificamente com a oposição”, acrescenta.
PGR e membros do STF podem ser alvo de sanções de autoridades dos EUA
No cenário internacional, crescem tensões entre autoridades americanas e o Judiciário brasileiro. Nos Estados Unidos, representantes do Congresso, do governo do presidente Donald Trump e representantes de plataformas digitais têm feito críticas a Moraes e ao STF, além de denunciar a adoção de retaliação por censura e agressão a direitos de cidadãos e de empresas daquele país.
O projeto de lei “No Censors on our Shores Act” (“Nenhum censor em nosso território”, em inglês) – aprovado na comissão de assuntos jurídicos da Câmara dos EUA – busca proibir a entrada no país de autoridades estrangeiras que violem a liberdade de expressão. Moraes é citado informalmente por parlamentares republicanos como um dos principais alvos da proposta.
Nos tribunais americanos correm ações judiciais das empresas Trump Media e Rumble, que contestam as ordens do STF para suspender contas em redes sociais, alegando violação da soberania americana.
Mas a iniciativa considerada mais danosa para Moraes está no pedido de sanções por meio da Lei Magnitsky, encaminhado a Trump pelos deputados como Rich McCormick e María Elvira Salazar. Se aplicada pelo presidente dos Estados Unidos, o magistrado e outros poderão sofrer sanções como bloqueio de bens e suspensão de vistos.
As iniciativas refletem tensões diplomáticas e jurídicas entre os dois países, sobretudo no que diz respeito à liberdade de expressão e à soberania nacional. Elon Musk, dono da plataforma X e principal auxiliar de Trump, questionou publicamente se Moraes tem bens nos EUA, sugerindo sanções.