As mudanças ao longo dos anos no campo espiritual
Poucas figuras na história causaram um impacto tão profundo quanto Jesus Cristo. Mais do que uma referência religiosa, sua mensagem e suas ações desafiaram diretamente as estruturas políticas e religiosas de sua época. O confronto com o poder estabelecido, tanto entre os líderes judaicos quanto sob a ocupação romana, foi um dos fatores que levaram à sua crucificação.
Ler a história e fazer analogias com a contextualização dos eventos que antecederam as profecias exige um exercício sobre a materialidade dos fatos, do tempo e do espaço em que esses acontecimentos se desdobraram. Trata-se de um período em que não havia registros diretos e sistematizados, mas, mesmo sem os aparatos modernos, as testemunhas dos quatro evangelhos descreveram o homem Jesus de forma detalhada.
Esses relatos fazem uma separação clássica entre duas dimensões dessa figura: o Jesus humano, que viveu em um contexto social e político específico, e o Jesus da fé, entendido como Deus, encarnado em uma roupagem humana.
Mas o impacto de Jesus não se limitou ao século I. Suas ideias e ensinamentos influenciaram profundamente a civilização ocidental, moldando conceitos que vão desde a espiritualidade até a separação entre Igreja e Estado. Neste artigo, exploramos como Jesus rompeu com o sistema vigente e como suas manifestações continuam a ecoar ao longo da história.
O CONFLITO COM A RELIGIÃO DA ÉPOCA
Desde o início de sua pregação, Jesus confrontou as normas religiosas impostas pelos fariseus e saduceus, os principais grupos de poder no judaísmo daquele período. Ele criticava abertamente a hipocrisia dos líderes religiosos, como registrado no Evangelho de Mateus:
“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Porque sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda imundícia”. (Mateus 23:27)
Jesus também questionou a exploração financeira dentro do Templo de Jerusalém. Um dos episódios mais emblemáticos foi a expulsão dos cambistas (Mateus 21:12-13), quando derrubou as mesas dos comerciantes e os acusou de transformar a Casa de Deus em um “covil de ladrões”. Esse ato não foi apenas um protesto contra a comercialização da fé, mas uma afronta direta ao sistema religioso, que lucrava com a venda de animais para sacrifício.
Além disso, Jesus oferecia uma conexão direta com Deus, sem a necessidade de intermediários religiosos. No encontro com a mulher samaritana, ele afirmou:
“Mas vem a hora, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade.” (João 4:23)
Essa nova visão da fé foi uma ameaça ao poder das elites religiosas, que temiam perder influência sobre o povo.
O DESAFIO AO IMPÉRIO ROMANO
O impacto da mensagem de Jesus não se restringiu ao cenário religioso. O Império Romano, que dominava a região da Judeia, via qualquer movimento messiânico como uma possível ameaça à ordem pública.
A inscrição “Rei dos Judeus”, colocada na cruz por ordem de Pôncio Pilatos (João 19:19-22), não foi um simples detalhe. Para Roma, qualquer figura que se apresentasse como rei poderia ser um líder revolucionário, capaz de incitar uma rebelião contra o império.
Um dos momentos mais simbólicos do confronto entre Jesus e a autoridade romana ocorreu quando ele foi questionado sobre pagar impostos a César. Sua resposta, registrada em Mateus 22:21, continua sendo debatida até hoje:
“DAI, POIS, A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR, E A DEUS O QUE É DE DEUS”
Essa declaração pode ser interpretada de diversas formas. Para alguns, foi um reconhecimento da autoridade do Estado. Para outros, foi uma forma sutil de dizer que o poder de César era limitado, pois a verdadeira soberania pertence a Deus. De qualquer forma, o pensamento de que o poder político não era absoluto representava um desafio às bases do império.
Além disso, Jesus se aproximava de grupos marginalizados, como cobradores de impostos (Lucas 19:1-10) e até soldados romanos (Mateus 8:5-13), rompendo com as barreiras sociais impostas pela ocupação romana. Sua postura de igualdade e misericórdia colocava em xeque a hierarquia estabelecida.
UMA NOVA ORDEM MORAL E SOCIAL
Jesus não apenas questionou as autoridades de sua época, mas também apresentou um novo modelo de sociedade, baseado em valores que iam na contramão da cultura dominante. O Sermão da Montanha (Mateus 5-7) é um dos maiores exemplos dessa nova ordem moral:
- “Bem-aventurados os humildes, porque herdarão a terra.”
- “Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.”
- “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.”
Enquanto o mundo romano valorizava a força, a dominação e o poder militar, Jesus exaltava a humildade, a misericórdia e o perdão. Seu ensinamento mais radical talvez tenha sido o amor aos inimigos (Mateus 5:44), em uma sociedade onde a vingança era considerada uma virtude.
O IMPACTO NA HISTÓRIA
As ideias de Jesus moldaram profundamente a sociedade ocidental e influenciaram diversas áreas ao longo dos séculos:
- Religião: O cristianismo surgiu como um movimento dentro do judaísmo e se tornou a maior religião do mundo.
- Política: Muitos conceitos cristãos influenciaram a formação de sistemas políticos baseados em justiça, igualdade e liberdade. A separação entre Igreja e Estado tem raízes na ideia de que o Reino de Deus não é deste mundo.
- Direitos Humanos: A valorização dos pobres e marginalizados inspirou movimentos de justiça social, como a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, liderada por Martin Luther King Jr.
- Filosofia: Pensadores como Santo Agostinho e Tomás de Aquino foram profundamente influenciados pelos ensinamentos de Jesus.
A separação entre religião e governo foi formalizada em diversas constituições modernas. A Constituição dos Estados Unidos (1787) foi uma das primeiras a estabelecer essa divisão. No Brasil, a Constituição de 1988 segue o mesmo princípio, proibindo o Estado de favorecer qualquer religião específica.
Jesus Cristo não liderou uma revolta armada, mas desafiou profundamente as estruturas de poder de sua época. Sua mensagem e suas ações o colocaram em conflito com as autoridades religiosas e políticas, levando à sua crucificação.
No entanto, sua influência ultrapassou os limites da Judeia e do Império Romano. Seu impacto moldou a civilização ocidental, influenciando não apenas a religião, mas também a política, a filosofia e os direitos humanos.
Ao propor um Reino baseado na justiça, no amor e na misericórdia, Jesus questionou os sistemas fundamentados no medo e na opressão. Seu legado continua vivo, desafiando gerações a repensarem o poder, a fé e a sociedade.
JOSÉ SANTANA:
Jornalista, graduado em Gestão Pública e pós-graduando em Direito Constitucional e Direito Administrativo pela Universidade Uninter. Pesquisador nas áreas de governança, políticas públicas e constitucionalismo.
The post JESUS CRISTO: O ROMPIMENTO COM O SISTEMA POLÍTICO E RELIGIOSO E SEUS IMPACTOS NA HISTÓRIA appeared first on Folha do Estado SC.