Amazônia Azul: O Brasil que Respira pelo Mar

Há um Brasil que não se demarca nos mapas escolares, mas que pulsa sob as marés como território pleno. Um Brasil azul, profundo e soberano, que ainda carece de reconhecimento proporcional à sua importância. Estende-se para além do olhar das praias, desenhando-se em correntes, sal e silêncio. É a chamada Amazônia Azul, uma vastidão líquida de mais de 5,7 milhões de quilômetros quadrados que repousa sob jurisdição brasileira, equivalente ou até superior em extensão à floresta amazônica continental.

Mais do que uma metáfora poética, a expressão carrega em si uma geopolítica complexa, uma economia pulsante e uma riqueza exuberante. Se a floresta amazônica é o pulmão verde do mundo, a Amazônia Azul é o coração azul do Brasil, batendo em ondas que conectam soberania, pujança e futuro.

Esse mar que nos pertence com uma dimensão que, não raro, nos escapa aos olhos, compreende o mar territorial brasileiro, a Zona Econômica Exclusiva (ZEE), que se estende até 200 milhas náuticas (cerca de 370 km) da costa, e a plataforma continental estendida, já reconhecida em partes pela Comissão de Limites da Plataforma Continental das Nações Unidas (CLPC). Trata-se de um território submerso vastíssimo, que posiciona o Brasil entre as maiores nações marítimas do planeta.

Acontece que diferentemente das fronteiras terrestres, delimitadas por marcos visíveis e tratados seculares, o mar exige vigilância constante, ciência aplicada e tecnologia de ponta. Daí a relevância de iniciativas como o SisGAAz (Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul), desenvolvido pela Marinha do Brasil para monitorar esse domínio fluido e proteger suas riquezas. Pois, se as águas são móveis, a soberania precisa ser firme.

E sob esse oceano que banha mais de 8.500 km de litoral, repousa um cofre natural: 97% do petróleo nacional provém das bacias marítimas, segundo dados da Petrobras (2023); a maior parte do gás natural segue o mesmo caminho, evidenciando a centralidade dos ambientes oceânicos na matriz energética nacional. No ventre da terra, oculto sob quilômetros de sal e rocha, jaz o Pré-Sal, reservatório que, como um útero geológico, abriga a promessa de décadas de autossuficiência energética.

Sob o leito marinho, despontam jazidas de minerais estratégicos, como cobalto, níquel e terras raras, recursos cada vez mais disputados no contexto da transição energética e da tecnologia de ponta. Embora ainda pouco explorados, esses depósitos submarinos representam uma nova fronteira mineral brasileira, que exigirá arcabouço jurídico, tecnologia limpa e soberania científica.

E não se trata apenas de combustíveis ou minérios. A economia azul também abriga portos estratégicos, como o de Santos (SP) – o maior da América Latina, por onde circula 95% do comércio exterior brasileiro.

Poucos imaginam que, sob as águas calmas da costa brasileira, repousa uma teia tecnológica que conecta sonhos, economias e segredos de Estado: os cabos submarinos de fibra óptica. Invisíveis ao olhar comum, esses cabos percorrem os leitos oceânicos como artérias digitais, por onde fluem mais de 99% das comunicações internacionais do país. É por eles que atravessam mensagens de amor e de guerra, decisões financeiras bilionárias, dados científicos sensíveis e acordos diplomáticos. Sua existência é silenciosa, mas sua importância, colossal — transformando o fundo do mar em território geoestratégico. Em tempos de ciber conflitos e vigilância global, proteger essa infraestrutura é tão vital quanto defender nossas fronteiras físicas. A Amazônia Azul, nesse contexto, não é apenas um espaço de biodiversidade e recursos, é também o palco onde se travam batalhas invisíveis pelo controle da informação e da soberania digital.

A imensidão azul é tudo, menos vazia. Nas suas profundezas e recifes, nas correntes quentes e frias que se cruzam como artérias invisíveis, pulsa uma biodiversidade surpreendente, tão rica quanto a da selva tropical. Na foz do Amazonas, por exemplo, há recifes de coral recentemente descobertos, cuja existência desafia os limites conhecidos da biologia marinha.

São dezenas de milhares de espécies registradas, entre peixes, moluscos, algas e microrganismos, muitos dos quais ainda não catalogados. Pesquisadores do Ministério do Meio Ambiente (2021) estimam que apenas 10% da biodiversidade marinha brasileira tenha sido devidamente estudada, o que revela um imenso potencial para descobertas científicas e biotecnológicas. É como se navegássemos diariamente sobre um museu biológico submerso, ainda por ser desvendado.

Além da biodiversidade, destaca-se o ainda pouco falado carbono azul — o carbono capturado e armazenado por ecossistemas marinhos, como manguezais, pradarias de algas e marismas. Esses ambientes costeiros, abundantes na Amazônia Azul, têm papel vital no combate às mudanças climáticas, com capacidade de sequestrar carbono em taxas até dez vezes superiores às florestas terrestres, segundo o relatório ‘Blue Carbon Ecosystems’ do UNEP/GRID-Arendal (2020). Ignorar esse serviço ecológico silencioso é desperdiçar uma das mais poderosas ferramentas naturais de regulação do clima.

Como toda fronteira estratégica, a Amazônia Azul é, ao mesmo tempo, riqueza e vulnerabilidade. Seu monitoramento exige presença naval, diplomacia oceânica e investimento em defesa. O Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB), com destaque para o primeiro submarino de propulsão nuclear brasileiro, é uma resposta tecnológica à necessidade de manter viva a soberania sob as águas.

Se é verdade que a pujança dessa imensidão azul impressiona pela abundância de recursos e possibilidades, não é menos legítimo afirmar que ela também nos convoca à responsabilidade. As mesmas águas que oferecem riqueza e poder sustentam ecossistemas frágeis, ameaçados por plásticos dispersos, práticas pesqueiras insustentáveis, exploração predatória e os efeitos já visíveis das mudanças climáticas. Trata-se de um ecossistema tão grandioso quanto sensível, onde cada desequilíbrio reverbera em cadeias complexas de vida. O desafio, portanto, não é renunciar ao progresso, mas construir um modelo que harmonize crescimento e conservação, pois preservar o mar é garantir o amanhã.

Falar da Amazônia Azul é muito mais do que abordar um tema técnico, é refletir sobre o próprio futuro do país. O Brasil que existe debaixo d’água ainda é pouco conhecido, pouco estudado, pouco valorizado. Mas ele está lá, batendo à porta do século XXI com promessas de riqueza, poder e equilíbrio ambiental.

Assim como aprendemos a olhar para a Amazônia verde com respeito e preocupação, é tempo de olharmos para a Azul com a mesma reverência. Porque talvez o verdadeiro gigante adormecido do Brasil não esteja apenas em sua terra firme, mas na vastidão líquida que nos cerca, nos alimenta e nos projeta ao mundo.

Claudia Cataldi é Mestre em Ciência Política, formada em Jornalismo, Publicidade, Tecnologia em Processamento de Dados e Direito. Presidente da Associação Brasileira de Imprensa de Mídia Eletrônica e Digital e Alumni do Caepe da Escola Superior de Guerra

Referências

 MARINHA DO BRASIL. Amazônia Azul: entenda o que é. Disponível em: https://www.marinha.mil.br

PETROBRAS. Relatórios Anuais de Produção e Sustentabilidade. 2023.

IBGE. Território e Meio Ambiente no Brasil. 2022.

CLPC – Comissão de Limites da Plataforma Continental. Nações Unidas.

MMA. Relatório Nacional sobre a Biodiversidade Marinha Brasileira. 2021.

UNEP/GRID-Arendal. Blue Carbon Ecosystems – Coastal Carbon Sinks. 2020.

TELEGEOGRAPHY. Submarine Cable Map. Acesso em 2024.

Autora:

Claudia Cataldi

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