No País das Maravilhas não há Ditadura

Dias Toffoli disse certa vez que o Supremo é o editor da nação, mas eu nunca imaginei que seria o editor da realidade, editando-a de acordo com sua conveniência política. Foi o que vi hoje, quando Alexandre de Moraes exibiu durante julgamento um vídeo com uma série de imagens editadas do 8 de janeiro e de 12 de dezembro.

Sua intenção foi dar materialidade à narrativa de que houve emprego de violência na tentativa de se abolir o Estado Democrático de Direito no Brasil. Se fosse uma aula de semiótica, seria um exemplo perfeito para mostrar que, muitas vezes, a realidade depende da perspectiva.

Se fosse uma aula de semiótica, o contraponto seria feito com outro vídeo que circula na internet mostrando que muitos dos patriotas, hoje presos por golpe e condenados a até 17 anos de cadeia, fizeram de tudo para proteger o patrimônio nacional naquele fatídico 8 de janeiro.

Naquele mesmo dia, denunciaram a infiltração de elementos violentos, muitos dos quais foram presos por eles mesmos com ajuda da polícia, mas que ninguém nunca mais soube da existência. Foram editados do inquérito.

Moraes também editou um pronunciamento de Donald Trump para dizer que o presidente americano teceu elogios ao sistema eleitoral brasileiro, o que seria prova de que “não há nada mais confiável que as urnas eletrônicas”.

Só que Trump, o amigo de Elon Musk, elogiava apenas o sistema de identificação biométrica do eleitor e, na verdade, reiterou a confiança no voto de papel, banindo o voto eletrônico dos EUA.

Cada um vê o que quer, não? 

O problema é que há muito a realidade editada pelo Supremo nos entrega um país onde um ex-governador condenado a 400 anos é o novo tiktoker do pedaço, onde um ex-presidente condenado por corrupção, com sentença transitada em julgado, inclusive lá no Supremo, ganha atestado de inocência e volta à cena do crime.

Onde o batom na Estátua da Justiça é mais ofensivo à democracia do que o crime organizado tomando territórios inteiros, sequestrando setores da economia e submetendo cidadãos a tribunais paralelos.

Mas o que mais me preocupa nessa realidade paralela é a edição da vontade, aquela que dobra a moral e te impede de enxergar a verdade, ou que, enxergando-a, te impede de agir, como quem testemunha uma violência brutal e nada faz.

Em Alice no País das Maravilhas, o Gato de Cheshire nos ensina que, quando não se sabe para onde ir, “qualquer caminho serve.” No País das Maravilhas do Supremo, houve uma tentativa de golpe, mas a democracia resistiu. No País das Maravilhas do Supremo, não existe ditadura, nem censura, nem presos políticos ou exilados. E há de quem diga o contrário!

Se quiser viver lá, Moraes é o caminho, a verdade e a vida.

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