Presos por morte de Marielle, gabinete e salários de irmãos Brazão já consumiram R$ 2,2 milhões dos cofres públicos

Nesta segunda-feira faz um ano da prisão dos acusados de terem mandado matar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes. O processo entrou em reta final e deve ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) até o fim do ano. Entre os acusados estão os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão — deputado federal (sem partido) e conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), respectivamente, que mantém seus cargos e salários. Ao todo, desde a prisão, foram R$ 2,2 milhões que os cofres públicos custearam para manutenção de gabinete e pagamentos à dupla.

De acordo com o Portal da Transparência da Câmara, de fato, Chiquinho mantém o imóvel funcional e seu gabinete, com 28 assessores e assistentes. Apenas de fevereiro a novembro de 2024, o gabinete consumiu R$ 1,2 milhão. Já o parlamentar recebeu R$ 522 mil de salário bruto nos últimos 12 meses. Neste período, Domingos Brazão também manteve seus vencimentos no TCE, somando um total de R$ 478 mil brutos. Segundo o tribunal, os 19 assessores do conselheiro foram realocados para outros gabinetes, e qualquer medida contra Domingos só pode ser tomada após o seu julgamento.

Procurada, a assessoria do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara dos Deputados, não informou se já foi marcada uma data para a votação da cassação em Plenário. Para cassar o mandato, são necessários os votos de pelo menos 257 deputados (maioria absoluta), em votação aberta e nominal.

Cassação de Chiquinho

Sobrevivente da emboscada do dia 14 de março de 2018, Fernanda Chaves, ex-assessora de Marielle, comemora as condenações do assassino confesso Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz — ex-policial militar, que dirigiu o carro usado no crime, cuja pena foi de 59 anos e oito meses, além do avanço do processo dos mandantes no STF. No entanto, se queixa da demora na cassação de Chiquinho. Apesar de o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados ter aprovado a perda do mandato, em agosto passado, a votação em plenário ainda não foi marcada.

— De fato, o processo está andando no STF. O que já passou da hora de acontecer é a votação da cassação do deputado. Ele está preso por envolvimento em um dos maiores atentados políticos da História do Brasil e seu mandato segue, mantendo assessores, apartamento funcional, verba de gabinete — disse a sobrevivente.

O julgamento no STF

Relator de dois casos de grande repercussão, o ministro Alexandre de Moraes pretende julgar os acusados pelo duplo homicídio antes dos atos antidemocráticos. Caberá à Primeira Turma do STF, formada por ele, além dos colegas Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Flávio Dino e Luiz Fux, a decisão nos dois processos. Enquanto o julgamento não tem data certa, os réus seguem presos em unidades federais espalhadas pelo país. Também serão julgados pelo mesmo crime o major da Polícia Militar Ronald Paulo Alves Pereira e o policial reformado Robson Calixto Fonseca, o Peixe, ex-assessor do conselheiro.

De 12 de agosto a 29 de outubro do ano passado, o desembargador Airton Vieira, magistrado que dá assistência a Moraes, ouviu cerca de 50 testemunhas e interrogou os cinco réus por videoconferência. O promotor Olavo Evangelista Pezzotti, membro auxiliar da PGR nos julgamentos do STF, fez a arguição. As famílias das vítimas, além da única sobrevivente do atentado, Fernanda Chaves, foram representadas pelos assistentes de acusação nas audiências.

Nessas sessões, já se desenhavam as estratégias das defesas e da PGR, preparada para sustentar que o crime foi cometido porque Marielle combatia a grilagem de terras na região da Barra da Tijuca e das Vargens. A espinha dorsal das investigações da Polícia Federal e da denúncia da procuradoria é a delação do assassino confesso, o ex-policial militar Ronnie Lessa, condenado a 78 anos e nove meses de prisão. Ele apontou Domingos e Chiquinho como mandantes da execução, enquanto Rivaldo foi acusado de ser o mentor intelectual do crime, ao não permitir que a polícia chegasse aos autores. O ex-PM contou que Robson Calixto foi o responsável por fornecer a Lessa a submetralhadora HK MP5 usada no homicídio, e o major Ronald fez o monitoramento de Marielle. As defesas dos réus negam a participação de seus clientes.

A PF buscou provas que corroborassem a delação, mas admite que o lapso temporal entre o crime e o início das investigações, de cinco anos, foi uma grande dificuldade. Em compensação, testemunhas confirmaram alguns pontos relatados por Lessa. Foram os casos da viúva de Santiago José Geraldo, o Santiago Gordo — o nome dela foi preservado —, que morava próximo a um haras da família Brazão, em Jacarepaguá; e do delegado Brenno Carnevale — atual secretário de Ordem Pública do Rio —, que trabalhou na Delegacia de Homicídios da Capital (DHC).

A primeira testemunha contou que o marido promovia reuniões no sítio para criadores de passarinhos. Segundo ela, Chiquinho e o PM reformado Edmilson Oliveira da Silva, o Macalé, frequentavam o local. Macalé foi, segundo os investigadores, quem contratou Lessa para matar Marielle. Fontes da PF e da PGR ressaltam que a declaração da viúva de Santiago foi fundamental para estabelecer o vínculo entre o deputado federal e Macalé, executado em novembro de 2021, com uma gaiola de passarinho nas mãos.

Nos depoimentos que prestou, tanto na PF quanto ao STF, Carnevale afirmou que, quando atuou como delegado da DHC, houve casos em que inquéritos ou peças da investigação sumiram, reaparecendo só depois que ele saiu da especializada. Um dos exemplos que citou foi o desaparecimento de um HD ou pen drive com imagens do assassinato do sargento reformado Geraldo Pereira, em 2016, no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste. Ele tinha envolvimento com a milícia. Para os investigadores, a informação de Carnevale trouxe evidências de que a DHC estaria comprometida com o crime organizado.

Embora as defesas não revelem suas teses abertamente, faz parte da estratégia questionar as investigações da PF, incluindo o ex-bombeiro Cristiano Girão de volta no caso. Girão apareceu no contexto das investigações por ter sido preso em 2009, após ser citado na CPI das Milícias, cujo relator foi o então deputado Marcelo Freixo, que era do PSOL, mesmo partido de Marielle, mas, a PF não encontrou indícios suficientes que sustentassem sua participação.

Durante as audiências, alguns advogados perguntaram aos agentes da PF — que depuseram como testemunhas — e ao próprio Lessa, ouvido como réu colaborador, o que as investigações apontaram sobre a relação do ex-bombeiro Cristiano Girão com o delator.

O que dizem as defesas

Por nota, Marcelo Ferreira, que defende Rivaldo Barbosa, informou que o delegado está com o salário e todos os bens bloqueados desde sua prisão, mas que fez uma petição em fevereiro pedindo a liberação:

” Ele (Rivaldo) está com o salário e todos os bens bloqueados desde a sua prisão, nada tendo recebido nos últimos 12 meses, que perdeu cerca de 20kg, que sua família vive da ajuda de parentes e amigos, que espera Justiça por parte do STF, porque a instrução processual demonstrou que nada que foi dito pelos investigadores e pelo colaborador Ronnie Lessa foi confirmado nos autos”.

O advogado de Domingos Brazão, Marcio Gesteira Palma, também respondeu às acusações por nota:

” Decorrido um ano desde a prisão, a inocência de Domingos Brazão foi demonstrada no curso do processo. Confiamos no STF e acreditamos que o Tribunal — bicentenário e maior guardião das garantias de todos nós — haverá de por fim a farsa criada pelo notório matador para proteger seu patrão e obter benefícios”.

O advogado de Chiquinho Brazão, Cleber Lopes, informou que Chiquinho não negou conhecer Macalé, mas sim Ronnie Lessa:

“Sobre frequentar o sítio do Sr. Santiago no início dos anos 2000, não é verdade que a testemunha tenha dito que todos se conheciam e nem sequer haveria necessidade de falar inverdade sobre algo que remonta há 20 anos. Ainda que os 3 tenham estado no sítio em diferentes momentos, a testemunha afirmou que o local era frequentado por muitas pessoas e que não saberia dizer se houve a presença simultânea no local.

Sobre as investigações da PF, cabe apenas registrar que as provas produzidas sob o contraditório e a ampla defesa confirmam o que a defesa afirma desde o início: Chiquinho Brazão é inocente.

O processo na Câmara dos Deputados segue em tramitação”.

(O Globo)

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