O boneco de ventríloquo

Hugo Motta, a certeza que sua eleição seria um terrível golpe no Brasil, tornou-se, o que sabemos hoje, um ventríloquo. Ou melhor, a de um boneco de ventríloquo, que é aquele que mexe a boca enquanto outro fala, sem que ninguém perceba, sem nem mexer os lábios. Eu sei disso por que hoje vi, com meus próprios olhos, Motta dizendo que a Nova República surgida da Constituição de 1988 é um regime que nada lembra à Ditadura inaugurada em 1964.

Ninguém me contou. Eu vi e a TV Câmara gravou e toda a internet pode ver também. Da cadeira de Presidente da Câmara, o presidente da Câmara mexe a boca, enquanto uma voz muito parecida com a sua diz que “não vivemos mais as mazelas do período em que o Brasil não era democrático”. “Não tivemos mais jornais censurados, nem vozes caladas à força. Não tivemos perseguições políticas, nem presos ou exilados políticos. Não tivemos crimes de opinião ou usurpação de garantias constitucionais.”

Eu tenho certeza de que não foi Motta a pronunciar essas palavras, pois o deputado até pouco tempo dizia que o 8 de janeiro não havia sido um golpe, que o PL da Anistia avançaria na Câmara e que sua gestão recobraria a autonomia tão cara ao Legislativo, o que, na prática, significa admitir que vivemos um período de exceção, no qual o STF usurpa funções de outros poderes, persegue a oposição, prende e cala críticos.

Um período em que o STF prende e condena a 17 anos de cadeia uma cabeleireira que pintou de batom a estátua da Justiça como forma de protesto, protestando justamente contra o ativismo de um Judiciário que escolheu um lado da política e que chama aqueles do lado derrotado de manés. Um período em que corruptos são soltos por filigranas jurídicas, enquanto políticos e ativistas são condenados por ousarem se indignar.

Lógico que não era Hugo Motta falando por ele mesmo, pois ontem mesmo um colega seu da Câmara decidiu não voltar ao Brasil com medo de ser preso numa arapuca montada pelo partido do governo com a cúpula do Judiciário.

Esse deputado é filho do ex-presidente que será julgado por ministros que não se consideram impedidos, mesmo um deles sendo ex-advogado do atual presidente, outro um claro opositor e ex-chefe das forças federais de segurança que não impediram a invasão do 8 de janeiro e um terceiro sendo ele mesmo vítima de um suposto plano de assassinato que é atribuído ao ex-presidente.

Tenho certeza de que não era Hugo Motta falando, pois ele sabe que jornais, revistas e influenciadores foram censurados de todas as formas e que redes sociais inteiras foram suspensas no Brasil por não cumprirem ordens secretas e ilegais para derrubada de posts e perfis. O presidente da Câmara é um homem esclarecido e está perfeitamente ciente de todo o arbítrio vivido na atual quadratura, um ditadura pior que a de 64, pois do Judiciário.

Quem falava por Motta enquanto ele abria boca era José Dirceu, a quem abraçou efusivamente em sua festa de aniversário dias atrás. Quem falava por Motta enquanto ele abria boca era Lula, a quem prestigiou no lançamento de uma reforma de renda populista e irrealizável.

Quem falava por Motta enquanto ele abria a boca era Alexandre de Moraes, com quem jantou na véspera acompanhado de Paulo Gonet, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Edson Fachin, Nunes Marques, Luiz Fux e Flávio Dino. Quem falava por Motta era José Sarney, que estava a seu lado durante o discurso em comemoração aos 40 anos da redemocracinhação.

São tantas vozes falando por Motta que me pergunto se ele algum dia teve voz própria, ou se é como todo boneco de ventríloquo, oco.

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