O CARRASCO: Juiz da causa, Moraes é indicado por acusado para depor como vítima

Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator da denúncia sobre suposto plano de golpe de Estado que envolveria seu próprio assassinato, foi indicado por um dos acusados para depor no processo enquanto vítima.

O pedido foi feito pela defesa do tenente-coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo, um dos “kids pretos” acusados de participar da operação que teria mirado a residência funcional do ministro.

O regimento interno do STF atribuiu ao relator do processo – no caso, o próprio Moraes –, a função de dirigir perguntas às testemunhas, inclusive à vítima. Em alguns casos, o regimento permite que o relator convoque outro juiz para exercer a função. No entanto, nos procedimentos de investigação do suposto plano de seu assassinato, Moraes tem chamado a atenção por conduzir interrogatórios pessoalmente, como, de forma controversa, na delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Lei exige depoimento da vítima, argumenta defesa

Ao indicarem Moraes como testemunha, os advogados de Azevedo garantiram que não se tratava de provocação ao ministro: “Tal providência é indispensável para a observância do disposto no artigo 400 do Código de Processo Penal”. A referência era a um artigo que estabelece que a vítima do crime será ouvida na audiência de instrução.

À Gazeta do Povo, o advogado do tenente-coronel, Jeffrey Chiquini, justificou: “Nós apenas corrigimos uma deficiência processual que estava havendo”. Segundo o defensor, o ministro não tinha dado depoimento até agora, embora fosse vítima citada 43 vezes no texto da denúncia que resultou das investigações.

O advogado criminalista Gabriel Duda Deveikis corrobora a posição de Chiquini e salienta que a vítima é ouvida nos processos criminais “em quase 100% dos casos”. Segundo ele, esse elemento é considerado “muito importante” para a formação do convencimento do juiz.

No entanto, no caso concreto, Deveikis afirma ser “impossível operacionalizar” a ideia de o próprio juiz ser ouvido como vítima ou testemunha. Para o criminalista, um juiz que se deparar com um pedido do gênero deve se declarar impedido de atuar na causa, porque a lei proíbe um juiz de ocupar múltiplas posições no mesmo processo: “Ou ele é uma coisa, ou é outra”.  

Juristas questionam imparcialidade de Moraes

Foi justamente essa a alegação do ex-presidente Jair Bolsonaro,  também acusado, ao pedir que o ministro Moraes fosse considerado impedido de julgar o caso, justamente por figurar como vítima. No entanto, o pedido foi negado pelo STF em dezembro.

Na explicação do professor de direito processual penal Rodrigo Chemim, o STF tem argumentado nesses casos que “o crime atinge a coletividade, não uma vítima individualizada”.

O tenente-coronel Azevedo é acusado, entre outros crimes, de tentativa de golpe de Estado, listado no Código Penal entre os “crimes contra o Estado Democrático de Direito”. 

O professor Chemim, no entanto, discorda da tese e argumenta que ela poderia ser invocada para qualquer outro crime. Segundo o professor, juridicamente, “o Estado é sujeito passivo de todos os crimes”, mesmo os do dia a dia, como furtos.

Chemim explica que é justamente por ser considerado vítima que o Estado tem o direito de processar quem pratica os crimes – sem que o indivíduo diretamente prejudicado também deixe de ser considerado vítima, inclusive para ser ouvido em audiência.

Além de proibir que o juiz atue em processo no qual é vítima, o artigo 252 do Código de Processo Penal também traz proibição separada de que o juiz atue quando tiver servido como testemunha – o que poderá ser o caso, se o ministro aceitar o pedido apresentado pela defesa do tenente-coronel Azevedo.

Até o momento, o STF não foi chamado a se pronunciar sobre eventual impedimento de Moraes para julgar processo em que tenha deposto como testemunha.

No entanto, Chiquini, advogado do militar, disse à revista Oeste que considerava como cenário mais provável Moraes invocar a tese anterior do STF para se recusar a depor. Nesse caso, especula o advogado, o ministro alegaria que a vítima do suposto plano de homicídio não era ele, e sim o Estado Democrático de Direito.

Crítico à possível tese, o advogado diz que, se ela prevalecer, Moraes estará se colocando não só como “vítima, testemunha, investigador, juiz, [mas] se tornará também o Estado”.

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