EDITORIAL: POSSE E LUTA INCESSANTE PELA LIBERDADE DEMOCRÁTICA E A JUSTIÇA  

Mais um desembargador para o estado de Santa Catarina

A cerimônia realizada no dia 7 de março foi prestigiada por desembargadores e desembargadoras em atividade e aposentados, juízes e juízas, além de representantes da Justiça Federal e do Trabalho, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Estado. Também estiveram presentes representantes do Executivo estadual e municipal, do Legislativo federal, estadual e municipal, além de instituições e associações religiosas e da sociedade civil. O novo desembargador foi recepcionado pelos desembargadores Luiz Cézar Medeiros e Antônio Carlos Junckes dos Santos antes de prestar compromisso para o cargo e assinar o termo de posse.

No coração das democracias sólidas reside um princípio inegociável: a justiça deve ser exercida sem medo, sem pressões e sem concessões aos caprichos do poder. Mas a realidade nos lembra, constantemente, que a defesa dos direitos humanos, da equidade e da dignidade não é um caminho isento de embates.

O relato apresentado recentemente em um discurso carregado de emoção e reflexões profundas nos conduz a essa verdade essencial. O Brasil, que se redescobriu com a Constituição de 1988, ainda convive com forças que tentam subverter o Estado Democrático de Direito. Há aqueles que buscam revogar conquistas civilizatórias e impõem narrativas que flertam com o autoritarismo, desprezando valores fundamentais como a justiça social e os direitos fundamentais.

Temos flertado perigosamente com o fascismo, abraçando suas sombras. Há valentões por todos os lados, disputando não apenas o poder, mas o controle sobre a justiça. São aqueles que rejeitam projetos de vida coletiva, que se opõem à justa distribuição de renda e à igualdade de direitos. São os mesmos que perpetuam o machismo, o racismo, o colonialismo e todo tipo de preconceito. Alimentam o ódio, idolatram a guerra e evocam com saudosismo os horrores da ditadura. Querem nos arrastar de volta ao obscurantismo, negando os avanços que nos trouxeram até aqui.

A história do juiz que dedicou sua carreira à dignidade dos aprisionados é um testemunho da resistência que se faz necessária. A Constituição, os tratados internacionais e os fundamentos éticos do direito foram seus alicerces, mas, em um sistema que muitas vezes se ancora na arbitrariedade, sua conduta foi encarada como ameaça. Defender aqueles que a sociedade marginaliza significa desafiar estruturas profundamente enraizadas. E quem desafia essas estruturas, cedo ou tarde, enfrenta retaliações.

Ele os respeitava, respeitava em sua humanidade. Então veio a pandemia, que além de colocar o mundo de joelhos, no Brasil aliou-se a um governo que negava a ciência e que, ao destruir a saúde pública, tentava destruir a frágil democracia. E ele, juiz da execução penal, viu-se diante de mais um desafio, talvez o mais terrível de toda a sua vida, o desafio de evitar que o vírus rebaixasse a humanidade dos presos, os tornasse não humanos. Foram anos de tormenta e tempestades, mas ele seguiu, com a cabeça erguida, espinha ereta, a força de quem sabe que está do lado certo da história. E um dia a calmaria chega, não a do sistema, cujos presos permaneciam sofrendo com a superlotação, falta de trabalho, educação e saúde, mas daqueles que não tinham lealdade aos princípios que compõem o caráter. Esses pararam de atacar, sossegaram, por assim dizer.

O episódio em que o juiz, mesmo com uma trajetória irrepreensível, foi barrado na ascensão ao tribunal não é um fato isolado. Ele reflete um sistema que, muitas vezes, premia a subserviência e pune a coragem. Mas há algo que nem as decisões administrativas, nem os conchavos institucionais podem destruir: a dignidade de quem permanece fiel aos seus princípios.

A história ensina que aqueles que lutaram por justiça sempre enfrentaram resistência. Nelson Mandela, Martin Luther King Jr., Ruth Bader Ginsburg, entre tantos outros, foram alvo de perseguições e incompreensões antes de serem reconhecidos como faróis da liberdade e da equidade. No Brasil, figuras como Sobral Pinto e Ruy Barbosa também sentiram o peso de desafiar o status quo. Mas nenhum deles recuou.

Hoje, em um país onde os ataques à democracia vêm de diferentes frentes, é fundamental que a sociedade se mantenha vigilante. O enfraquecimento das instituições, o descrédito da justiça e a perseguição a quem ousa desafiar as estruturas opressoras são sintomas de uma ameaça maior. E essa ameaça só será contida se aqueles que acreditam na liberdade e na igualdade ocuparem os espaços e fizerem ouvir suas vozes.

O juiz que se levantou após a injustiça é um símbolo da resistência que o Brasil precisa. Sua história é um lembrete de que a justiça não pode ser subjugada pelo medo ou pelas conveniências políticas. A democracia não é um pacto de silêncio, mas um compromisso permanente com a verdade e a justiça.

Que sua trajetória inspire não apenas operadores do Direito, mas todos os cidadãos que acreditam que um país só pode ser verdadeiramente livre quando a dignidade humana estiver acima de qualquer interesse.

Natural de Porto União, João Marcos Buch formou-se bacharel em Direito pela Universidade Regional de Blumenau (Furb) em 1992. É mestre em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Entrou na carreira da magistratura em julho de 1994. Atuou como juiz substituto nas comarcas de Florianópolis, Santa Cecília, Rio Negrinho, Joinville, Imbituba e São Francisco do Sul, e como juiz titular nas comarcas de Quilombo, Canoinhas e Joinville. Já integrou o grupo temático de persecução penal da ENASP (Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública) e o núcleo de execução penal do Grupo de Monitoramento e Fiscalização (GMF). Atuou como juiz auxiliar em inspeções no sistema prisional pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em 2023, foi promovido a juiz de direito de 2º grau. Fonte TJSC

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Da redação

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