Estudante com ELA faz três graduações, iniciação científica e mantém blog: ‘Me deu propósito’


Malu de Araújo Ribeiro, de 31 anos, diz que vive um dia de cada vez e encontrou na educação à distância motivação após diagnóstico. Esclerose Lateral Amiotrófica não tem cura, é degenerativa e causa paralisa completa dos músculos. Paciente com ELA faz três graduações ao mesmo tempo
Reprodução/Acervo Pessoal
Malu de Araújo Ribeiro tinha 20 anos quando os primeiros sintomas de Esclerose Lateral Amitrófica (ELA) apareceram. A doença afeta o sistema nervoso de forma degenerativa e, com o tempo, resulta em paralisia motora irreversível.
Em 2015, ela seria madrinha de casamento e, ao andar de salto, os pés deixaram de obedecer. Malu diz que se sentiu envergonhada ao ter que andar descalça até o altar.
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Após o episódio, tropeços e pisões ‘em falso’ se tornaram frequentes. Em uma viagem às cachoeiras de São Tomé das Letras (MG), Malu ficou paralisada e não conseguiu mais andar. Meses depois, fortes dores no peito a levaram a um pronto-socorro, onde suspeitaram de um infarto. O diagnóstico, no entanto, foi outro.
“Um neurologista foi chamado para o meu caso, pois notaram que minha marcha estava semelhante a de um pinguim e um dos testes foi eu não conseguir pular em um pé só”, conta.
Após uma bateria de exames, incluindo ressonâncias e eletroneuromiografias, em junho de 2017 veio a notícia que mudaria sua vida: Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), a mesma doença que afetou o físico britânico Stephen Hawking, que morreu em 2018.
Esclerose Lateral Amiotrófica atinge 12 mil brasileiros
A ELA é considerada rara e afeta 1 a cada 50 mil pessoas por ano, de acordo com dados do Ministério da Saúde. A doença não tem cura e nem causa definida pela ciência.
Na época, Malu cursava Engenharia de Energia na Universidade Federal do ABC (UFBABC), mas a condição de saúde a obrigou a desistir. Isso não significou, porém, que ela desistisse da educação. Atualmente, mesmo tetraplégica e acamada, ela faz três graduações simultâneas: História, Pedagogia e Serviço Social.
A volta aos estudos e a descoberta do EAD
Em 2022, uma amiga indicou a Malu uma faculdade de ensino à distância (EAD). Foi o pontapé que ela precisava para retomar os estudos. Matriculou-se no curso de Licenciatura em História, uma paixão desde a infância.
“Na hora, meu olho brilhou, porque era meu sonho de infância. Me matriculei e foi uma ótima decisão, pois ocupa meus dias e faz muito bem para a minha mente, já que me deu um propósito”.
Hoje, aos 31 anos, Malu não parou por aí. Além de História, ela cursa Pedagogia e Serviço Social na Faculdade Metropolitana do Estado de São Paulo (FAMEESP), com sede em Ribeirão Preto (SP).
Para ela, o ensino EAD foi a única opção viável, já que é tetraplégica, depende de ventilação mecânica contínua devido à traqueostomia e se alimenta por gastrostomia.
“O ambiente virtual é super intuitivo e simples de acessar. A adaptação foi ótima, graças à fácil comunicação com a faculdade”, afirma.
Além disso, Malu é dispensada de avaliações e atividades presenciais, o que facilita a rotina de estudos.
A professora Carla Damasceno diz que Malu tem um desempenho de excelência acadêmica e alto rendimento.
“Tem ótimas notas. Em termos de disciplina, qualidade dos trabalhos, tudo que faz é excelente. Ela escreve muito bem e está no rol dos melhores alunos para o desempenho acadêmico. Neste ponto, a condição dela não interfere”.
Estudante de 31 anos com ELA fala sobre sua experiência no ensino superior
Reprodução/Acervo Pessoal
O que é a ELA e como ela afeta a vida dos pacientes
Segundo Wilson Marques Júnior, Professor Titular de Neurologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), a ELA é uma doença neurodegenerativa que afeta dois tipos de neurônios motores: o superior, localizado no córtex cerebral, e o inferior, situado na medula e nos nervos cranianos.
A doença afeta todos os músculos, incluindo os da face, deglutição, respiração e membros superiores e inferiores, e pode ter causas hereditárias ou adquiridas posteriormente, mas é mais comum atingir pessoas acima de 55 anos.
De acordo com o professor, a expectativa de vida média de um paciente com ELA varia de 3 a 6 anos, embora alguns casos possam ultrapassar essa marca. No caso de Malu, que foi diagnosticada em 2017 e hoje depende de ventilação mecânica contínua devido à traqueostomia, a longevidade já supera a média.
“Quando o paciente precisa de um respirador definitivo, consideramos que a doença atingiu um estágio avançado. Sem o respirador, a pessoa não sobreviveria”, afirma o médico.
Esclerose Lateral Amiotrófica
Infografia: Karina Almeida/G1
Acessibilidade e inclusão é dever das instituições de ensino
Carla Damasceno também é coordenadora do curso de Educação Especial e do Núcleo de Apoio Psicopedagógico (NAPsi) da FAMEESP e explica que a inclusão é um dever das instituições de ensino superior.
“Todo aluno aprende, de acordo com suas possibilidades. Todos têm direito à educação, independentemente de sua deficiência. Cada pessoa aprende de um jeito diferente, e trabalhar com essa especificidade é fundamental”, destaca.
Um estudo publicado no Congresso Nacional de Educação e desenvolvido por pesquisadores de três universidades brasileiras, ressalta a importância de algumas ações pedagógicas para instituições de ensino superior no que concerne à inclusão de alunos com ELA:
Importância de um Plano de Atendimento Educacional Especializado (AEE);
Trabalho Colaborativo entre Docentes e Profissionais de AEE;
Uso de Tecnologias Assistivas, como dispositivos de comunicação alternativa e sistemas virtuais de aprendizagem;
Adaptação Curricular e Flexibilização das atividades;
Participação em Projetos e Atividades.
Já os desafios de aprendizagem esbarram em problemas como:
Capacitismo (discriminação contra pessoas com deficiência);
Falta de Profissional de Apoio/Cuidador;
Infraestrutura e Recursos Insuficientes;
Cultura de Inclusão Precária;
Carla ressalta que, no Brasil, ainda há muito a ser feito para garantir o acesso universal à educação. “Isso significa que o ambiente deve estar totalmente preparado para todas as pessoas, independentemente de suas condições e necessidades. Os núcleos de acessibilidade são fundamentais nesse processo”.
Na prática, esses núcleos atuam desde o momento da matrícula.
“Quando recebemos a autodeclaração, entramos em contato com o aluno, fazemos uma avaliação e providenciamos adaptações de conteúdo, material e orientações aos professores”, explica Carla.
A esclerose lateral amiotrófica afeta as células nervosas que controlam os movimentos voluntários dos músculos – os chamados neurônios motores
GETTY IMAGES
Iniciação científica e campos singular
Além das graduações, Malu também realiza iniciação científica sob a orientação da professora Carla. O projeto investiga a acessibilidade em escolas municipais, com foco em programas como o transporte escolar. Após a fase de pesquisa, ela publicará um artigo científico sobre o tema.
“A educação me deu um novo propósito. Participar de pesquisas e contribuir para a inclusão de outras pessoas é algo que me motiva todos os dias”, diz Malu.
Para compartilhar a experiência e ajudar outras pessoas que vivem com ELA, Malu criou o blog Campo Singular, onde compartilha vivências, experiências e visão de mundo.
“Por pior que a doença seja, ela revelou meu talento em escrever, um presente inestimável para mim. Bom, nessa jornada achei que só eu me beneficiaria ao externar tudo aquilo que a ELA fazia sentir, só que descobri que sou a voz de muitos que a ELA calou e assim ajudo a pacientes, cuidadores e até alguns profissionais”, afirma.
Malu criou um blog para falar sobre sua experiência com a ELA
Reprodução/Campo Singular
O recado para quem vive com a doença é claro: “Viva um dia de cada vez e tenha uma rede de apoio, pois esse fardo é pesado demais para ser carregado sozinho”.
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