Neta salva negócio de teares circulares do avô, paga dívida e agora fatura milhões, em SC

Não é raro ouvir alguém dizer que trabalhar na empresa da família é um caminho mais fácil do que empreender com o próprio negócio. No caso da catarinense Larissa Isensee, de 26 anos, assumir a liderança da Máquinas Isensee significou abraçar a dívida de R$ 1,5 milhão para salvar o legado do avô.

Nelson Isensee, de 70, fundou a fábrica de equipamentos para a indústria têxtil na década de 1980, em Gaspar, em Santa Catarina. Mas, quase 40 anos depois, Nelson estava enfrentando uma crise e decidiu fechar tudo em 2020.

Para evitar o fim da empresa, Larissa assumiu o cargo de CEO. Com a ajuda de teares circulares feitos de sucata, ela acertou as contas e faturou R$ 3,5 milhões em 2024.

Avô abriu negócio na Capital Nacional da Moda Infantil

Larissa mora nos Estados Unidos, mas nasceu e cresceu em Gaspar, declarada a Capital Nacional da Moda Infantil e responsável pela produção de mais de 50% das roupas de crianças dos grandes magazines do Brasil, de acordo com dados da prefeitura.

Foi lá que Nelson fundou a Máquinas Isensee, em 1984, ao perceber que não existiam empresas na região que fizessem manutenções e reparos nos equipamentos da indústria têxtil. Aos poucos, ele começou a apostar também na fabricação de teares circulares (aparelhos para tecer e produzir tecidos).

A catarinense conta que cresceu ao redor do negócio e pediu para trabalhar com o avô aos 14 anos. “Comecei na área de vendas e precisava conciliar a escola com o emprego. Meu avô sempre foi pulso firme, mas entendia que eu precisava parar à tarde para fazer as tarefas e até me ajudava. A gente passava o tempo todo juntos”, diz.

Com o passar dos anos, Larissa quis conhecer outros setores da Máquinas Isensee e investiu em cursos para se preparar. Primeiro, ela fez um intercâmbio para aprender inglês e conseguir negociar com fornecedores estrangeiros. Depois, decidiu cursar Administração para aprender o lado técnico da gestão de uma empresa.

“Eu vi que não tinha ninguém que fizesse algumas funções importantes, como o desenvolvimento das relações internacionais, então decidi aprender. Passo a passo, eu percebia do que o negócio precisava e ia estudando”, conta a empresária.

Ela diz que ser herdeira não foi fácil

Apesar de ter se encantado com a área de vendas, Larissa passou por todos setores da Máquinas Isensee, do financeiro ao administrativo. A grande mudança veio em 2020: Nelson decidiu fechar e vender a fábrica, que passava por uma grave crise financeira, e demitir todos os funcionários. Para evitar o fim, Larissa assumiu a liderança da empresa, aos 22 anos.

“Eu falei que não deixaria fechar, porque gostava muito do que fazia e não queria perder o legado da família. Até hoje, quando eu falo para as pessoas que trabalho com a empresa que era do meu avô, elas dizem: ‘Então foi muito fácil’. Mas não é assim, não foi nada fácil”, afirma.

Para colocar as contas em ordem, ela renegociou as dívidas, montou uma equipe com profissionais especializados em áreas técnicas, trocou os fornecedores e chegou a ficar sem salário por alguns meses. Segundo ela, a dívida acumulada era de cerca de R$ 1,5 milhão – e o faturamento anual da época era de R$ 1 milhão.

Apesar de todos os problemas financeiros, nos primeiros meses, Larissa diz que o maior desafio foi lidar com a desconfiança dos homens que trabalhavam na Máquinas Isensee. “Eles me viram crescer e não entendiam como uma menina estava mandando neles. Alguns não aceitaram, e a gente precisou fazer trocas”, conta.

A estratégia deu certo e, além de pagar as dívidas, a empresa conseguiu sair de um faturamento de R$ 1,2 milhão em 2022 para R$ 3,5 milhões em 2024.

Tear circular é feito com sucata e sai até 70% mais barato

A especialidade da Máquinas Isensee é produzir teares circulares feitos com máquinas de costura industriais sucateadas. Larissa conta que consegue os aparelhos antigos – empregados como matéria-prima – em leilões e com fábricas que faliram ou foram atingidas por incêndios.

A empresa reaproveita a estrutura e utiliza peças novas para reconstruir os teares circulares, o que reduz o valor para os compradores em até 70%. Eles são vendidos por preços que variam de R$ 80 mil a R$ 180 mil cada um.

Os clientes variam de pequenos empreendedores da região de Gaspar até grandes marcas, como a Hering. Além da produção de máquinas, Larissa também investiu na fabricação de peças.

“As peças são o nosso maior investimento atual, porque, com a cotação do dólar em alta, percebemos que as empresas preferem comprar peças para reparo no Brasil em vez de importar”, afirma a empresária.

Atualmente, a Máquinas Isensee tem dois galpões, mas os planos de Larissa incluem adquirir mais um espaço, para aumentar a capacidade de produção. Ela também quer contar com mais representantes comerciais em Santa Catarina e São Paulo.

“O nosso foco é aumentar as vendas, mas hoje em dia, com a internet, eu não preciso ter uma pessoa em cada estado. Ter vendedores em pontos estratégicos da nossa região é mais efetivo”, conclui.

Concorrência e sustentabilidade são pontos críticos, diz especialista

A indústria têxtil traz oportunidades para quem quer empreender em diferentes setores, da produção de máquinas até a venda de roupas para o consumidor final. A coordenadora de Indústria do Sebrae-RJ, Carina Ferraz, aponta que a possibilidade de se adaptar a diferentes tendências é o ponto forte desse mercado.

“Se eu trabalho com máquinas, preciso estar atento ao que tem de novidade e como os equipamentos estão evoluindo, mas é possível atender a diferentes nichos, da moda praia à moda noite”, explica.

A variedade de opções também traz desafios. A concorrência internacional, especialmente de países da Ásia, é um deles. Carina diz que os preços cobrados por fabricantes estrangeiros tornam a competição acirrada, e, para se destacar, o empreendedor precisa investir na relação com os clientes.

Encontrar profissionais aptos a trabalhar em diferentes etapas da produção também não é uma missão simples. Segundo a especialista, não adianta ter as melhores máquinas, se não tiver alguém para operá-las.

“Isso é um problema não só na indústria, mas em qualquer setor da economia. As empresas não têm outra alternativa a não ser investir em treinamento e capacitação da mão de obra”, analisa.

Se antes a sustentabilidade era um diferencial, agora ela é um requisito obrigatório. Reaproveitar materiais – como a Máquinas Isensee faz com os equipamentos sucateados – é uma forma de conquistar a confiança do consumidor.

Carina destaca que é importante olhar não só para o seu negócio, mas sim para todas as etapas da cadeia produtiva na qual ele está inserido.

“É preciso entender como os seus fornecedores trabalham e como eles compram a matéria-prima, por exemplo. É um desafio fazer esse rastreamento de todas as etapas, mas os efeitos para o posicionamento da empresa são excelentes”, conclui. (Estadão Conteúdo)

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