ARTIGO: OS NOVOS DESAFIOS PARA ATUALIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

O autor apresenta sugestões para inclusão de novos itens na Constituição Brasileira

Nos últimos anos, diversos episódios trouxeram à tona fragilidades na proteção dos direitos fundamentais no Brasil, evidenciando a necessidade de uma atualização constitucional para acompanhar as mudanças sociais, tecnológicas e ambientais.

Em 2021, um megavazamento de dados expôs informações sensíveis de 223 milhões de brasileiros, incluindo CPFs, endereços e dados bancários, demonstrando como a privacidade digital se tornou uma questão central na era da informação. Enquanto isso, o uso de inteligência artificial sem transparência ganhou destaque com denúncias de sistemas de reconhecimento facial adotados por redes de supermercados, que resultaram em abordagens indevidas e erros judiciais.

No campo dos direitos individuais, o debate sobre o direito ao esquecimento ressurgiu com o julgamento do STF no caso da Rádio e TV Bandeirantes, onde se discutia se uma pessoa poderia impedir a divulgação de fatos antigos que já perderam o interesse público. Além disso, a pandemia de COVID-19 reacendeu discussões sobre a necessidade de uma renda mínima universal, após o Auxílio Emergencial ter se mostrado crucial para milhões de brasileiros, mas também insuficiente e vulnerável a decisões políticas temporárias.

No âmbito ambiental, o aumento do desmatamento na Amazônia e seus impactos sobre a fauna colocam em evidência a urgência de reforçar a proteção constitucional ao meio ambiente e aos animais, garantindo um futuro sustentável para as próximas gerações.

Diante desses desafios, é essencial refletir sobre como nossa Constituição pode evoluir para oferecer respostas mais eficazes às demandas contemporâneas. Este artigo propõe um debate sobre possíveis atualizações nos direitos fundamentais, sempre respeitando os princípios democráticos e o espírito original da Constituição de 1988.

No entanto, a sociedade mudou significativamente nos últimos 35 anos, e novos desafios surgiram, especialmente com o avanço da tecnologia, da inteligência artificial e das transformações socioeconômicas.

Diante desse cenário, proponho um debate responsável sobre a atualização dos direitos fundamentais na Constituição, sempre respeitando suas cláusulas pétreas, mas garantindo que nossa Carta Magna acompanhe as necessidades da sociedade contemporânea. Essa necessidade já foi apontada por renomados constitucionalistas, como Clèmerson Merlin Clève, que defende uma “dogmática constitucional emancipatória”, sugerindo que a interpretação constitucional deve evoluir para promover justiça social e igualdade (CLÈVE, 2023).

Além disso, o ministro José Augusto Delgado, em suas “Propostas para a Revisão Constitucional de 1993”, já alertava para a necessidade de ajustes no texto constitucional, de modo a refletir as mudanças sociais e políticas do país (DELGADO, 1993). Essas reflexões reforçam a urgência de atualizar nossa Constituição para garantir que continue sendo um instrumento efetivo de proteção aos cidadãos.

PRIMEIRO: O DIREITO À PRIVACIDADE DIGITAL

Vivemos em uma era de constante vigilância, onde governos e empresas coletam, armazenam e utilizam dados pessoais de maneiras que a Constituição de 1988 não poderia prever. O direito à privacidade já é garantido pelo artigo 5º, inciso X, da Constituição, mas sua interpretação precisa ser ampliada para abranger o ambiente digital (MENDES; BRANCO, 2022).

SUGIRO A INCLUSÃO DE UM DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE ESTABELEÇA:

“É inviolável a privacidade digital do cidadão, incluindo comunicações eletrônicas, dados pessoais e metadados, salvo por ordem judicial fundamentada.”

Essa proposta reforça o entendimento de Clève de que a Constituição deve ser interpretada de forma dinâmica, garantindo direitos em novas esferas sociais.

SEGUNDO: O DIREITO À INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL JUSTA E TRANSPARENTE

A inteligência artificial já interfere em diversas áreas da vida, desde a análise de crédito até decisões judiciais e seleção de currículos. O problema é que, muitas vezes, esses algoritmos operam sem transparência, podendo gerar injustiças sem que o cidadão tenha meios de contestação (PASQUALE, 2020).

Minha proposta é que a Constituição inclua um princípio de transparência e revisão humana nas decisões automatizadas:

“Nenhum cidadão será prejudicado por decisões automatizadas sem a possibilidade de revisão humana e sem plena transparência dos critérios utilizados.”

Esse princípio se alinha com a ideia de Delgado de que a Constituição deve evoluir para evitar abusos e distorções que possam comprometer a justiça e a equidade social.

TERCEIRO: O DIREITO AO ESQUECIMENTO

A internet trouxe um dilema inédito: informações irrelevantes ou prejudiciais podem permanecer disponíveis indefinidamente, afetando a vida das pessoas mesmo após décadas. Casos de crimes já prescritos, erros do passado e até informações falsas continuam acessíveis, impactando a privacidade e a dignidade dos cidadãos.

Defendo a criação de um dispositivo constitucional que garanta o direito ao esquecimento, inspirado na decisão do Supremo Tribunal Federal no RE 1.010.606/RJ (BRASIL, STF, 2021):

“É assegurado o direito ao esquecimento, garantindo ao cidadão a exclusão de informações pessoais de bancos de dados públicos e privados quando não houver interesse público prevalente.”

Essa proposta dialoga com a interpretação progressista defendida por Clève, na qual a Constituição deve se adaptar aos novos desafios sociais sem perder sua essência democrática.

QUARTO: O DIREITO À RENDA MÍNIMA UNIVERSAL

Com a automação crescente e as mudanças no mercado de trabalho, o debate sobre uma renda mínima universal se torna essencial. Muitos países já discutem ou implementam programas que garantem um valor básico para todos os cidadãos, reduzindo desigualdades e promovendo dignidade (STANDING, 2019).

A PROPOSTA QUE SUGIRO É A INCLUSÃO NA CONSTITUIÇÃO DE UM ARTIGO QUE ESTABELEÇA:

“O Estado garantirá a todos os cidadãos um programa de renda mínima universal, nos termos da lei, visando a erradicação da pobreza e a promoção da dignidade humana.”

Essa medida estaria alinhada com a visão de Delgado sobre a necessidade de ajustes constitucionais para garantir uma ordem econômica mais justa e eficiente.

QUINTO: O DIREITO À PROTEÇÃO AMBIENTAL, CLIMÁTICA E ANIMAL

As mudanças climáticas são um dos maiores desafios do século XXI, impactando diretamente o bem-estar das gerações atuais e futuras. O Brasil, com sua vasta biodiversidade e importância global na agenda ambiental, precisa reforçar seu compromisso com a sustentabilidade e a proteção da fauna. Embora a Constituição já preveja a proteção ao meio ambiente no artigo 225, é necessário reconhecer o equilíbrio ecológico e o bem-estar animal como direitos fundamentais dos cidadãos e dever do Estado.

PROPONHO A INCLUSÃO DE UM DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE ESTABELEÇA:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à proteção dos animais, cabendo ao Estado e à sociedade garantir sua preservação para as presentes e futuras gerações, com prioridade para políticas públicas de conservação ambiental, mitigação dos impactos das mudanças climáticas e promoção do bem-estar animal.”

Essa proposta alinha-se às discussões globais sobre justiça climática e direitos dos animais, reforçando o papel do Brasil na luta contra a degradação ambiental e no respeito à vida em todas as suas formas.

NOTA DO AUTOR

Este artigo não pretende apresentar soluções definitivas, mas sim contribuir para um debate necessário sobre a atualização dos direitos e garantias fundamentais na Constituição Federal. As propostas aqui expostas devem ser analisadas à luz da viabilidade jurídica, social e econômica, sempre respeitando os princípios democráticos e o equilíbrio entre estabilidade constitucional e inovação normativa.

É natural que existam diferentes interpretações e reações a essas sugestões. Enquanto acadêmicos do Direito podem analisar os impactos jurídicos e dogmáticos das mudanças, a sociedade civil pode discutir os efeitos práticos dessas propostas. A renda mínima universal, por exemplo, gera reflexões sobre sua viabilidade fiscal e impacto econômico. A regulamentação da inteligência artificial levanta questões sobre inovação e proteção de direitos. Já a proteção ambiental e animal reforça a necessidade de políticas públicas eficazes para enfrentar desafios globais.

Dessa forma, convido os leitores – juristas, acadêmicos, economistas, legisladores e cidadãos – a refletirem, debaterem e sugerirem caminhos para que a Constituição continue sendo um instrumento vivo de proteção e progresso social. O aprimoramento constitucional deve ser um processo contínuo, pautado no respeito às instituições democráticas e ao bem comum.

JOSÉ SANTANA

Jornalista, graduado em Gestão Pública e pós-graduando em Direito Constitucional e Direito Administrativo pela Universidade Uninter. Atua na análise de temas políticos, jurídicos e sociais, com foco na evolução constitucional e no combate à corrupção. @josesantanaitp

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