Grande jogo

O problema.

Tudo começa com uma aposta de futebol perdida. 5 x 0 Palmeiras. Caramba, quem dá cinco gols de vantagem pra um time? Apesar de ser o timão do coração de Nico, sua ideia, que no início parecia genial, tornou-se ridícula ao passo dos 90 minutos monótonos e entediantes da partida contra o Botafogo. O placar final: 3 x 1 pro Fogão.

Nico que já andava meio maluco, perdeu de vez a cabeça. ‘’Po, cara. Apostei 600 pila no Porco. Perdi tudo, logo naquele joguinho bosta! Nunca mais aposto’’. Seus amigos, que não entendiam nada de futebol – muito menos de apostas -, se lamentavam pelo dinheiro perdido do amigo e diziam, entre si, ‘’Que cara idiota! Gastou o dinheiro do condomínio em bola furada’’.

De volta pra casa, Nico chorou no colo da namorada. Não dizia nada, porque já não tinha o que dizer. Era a oitava vez que Nico perdia o dinheiro do condomínio – seis vezes em apostas, duas em videogames antigos e vintages. A namorada, amável sempre, passava a mão na cabeça do menino, dizia que estava tudo bem. No final da noite, Nico não sentia mais o peso da perda.

A solução.

Quando o som de apito soou, ele soube que tinha feito a coisa certa. Depois do incidente do mês anterior, Nico assumiu para si que finalmente havia tomado jeito. Não tinha mais problemas com apostas, agora ele era responsável e não fazia mais cagadas em nome do Verdão. Somente naquela ocasião especial – jogo do FlaFlu – ia se dar o luxo de fazer sua última aposta, pra ver se conseguia algum ganho, talvez o suficiente para pagar o condomínio, o que devia ao irmão e, quem sabe, um pouquinho pra cervejinha de domingo.

Durante a tensão do segundo tempo, Nico fumou um maço inteiro de cigarros e bebeu mais de seis latinhas de cerveja. Estava nervoso, tinha apostado quando dizia a todos que tinha largado esse hobby. Se perdesse mais uma vez, iam dizer que estava viciado. Por sorte, não perdeu. O ganho não cobria tudo que devia, mas já era algo a se orgulhar. Comemorou ao lado do pai, torcedor de qualquer esporte que tenha bola e palmeirense roxo. ‘’Porra, Nicão. É isso aí. Que baita jogão, hein’’.

Nico chegou em casa cheio de si, deu um beijão na namorada e tagarelou sobre o jogo, o 3 x 1, o cartão amarelo, o juiz de bosta e o gol impedido. Ela, que nem time tinha, assentia, fazendo vez ou outra um comentário monossilábico. Pouco se importava com o jogo, o que a interessava de fato, era como – mais uma vez! – pediria ao síndico um tempinho a mais para pagar o condomínio. ‘’Sabe, seu Rafael, o nosso gato, o Aipim, lembra?! Ele ficou doente esse mês, coitado! Não comia, não andava, nem brincava comigo, acredita? Achei que ia de vez. Graças a Deus não foi, mas a conta do veterinário veio, né. Uma troletada! Será que poderia me dar uns dias a mais pra pagar o condomínio? A última vez, prometo.’’ Ela, coitada, tentava decorar o discurso enquanto Nico gritava do banheiro a agenda dos próximos jogos. ‘’Amanhã tem jogo do Grêmio, quem sabe eu consiga algo. Terça, não posso me esquecer, é dia do Verdão. E quinta, essa vai ser boa, é Flamengo com Botafogo. ‘’.

Porra, mas que inferno de futebol.

O resultado.

Nico, que perdeu o que ganhou no jogo do Grêmio, logo no dia seguinte de seus grandes feitos, decidiu que pelo bem de seu bolso, relacionamento e saúde, futebol não era mais pra ele. Não porque tinha perdido mais trezentos reais num joguinho meia boca, mas porque viu a namorada chorar. Cena impactante, triste, que nem vale o remember.

No final, depois de todas as prorrogações, Nico desistiu, vendeu seu Super Nintendo e pagou o condomínio. Fim de jogo.

Autora:

Aline Landfeldt

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