SÃO PAULO: CARTAS, JOGOS DE TABULEIRO E RELÓGIO DE PULSO

Alunos e professores fazem balanço da volta às aulas sem celular nas redes pública e privada

Para conferir como a nova lei estadual está sendo implementada, na prática, o g1 visitou escolas em diferentes regiões na cidade de São Paulo. Professores e gestores estão confiantes nos impactos positivos da legislação. No entanto, as respostas obtidas pelos colegas do g1 podem ser extensivos a todas as escolas do país.

Estudantes reunidos para recreação no horário de almoço em escola estadual de período integral na Zona Sul de SP — Foto: Renata Bitar/g1.

A volta às aulas nas escolas de São Paulo tem contado com um desafio extra em 2025: a proibição do uso de aparelhos eletrônicos, especialmente celulares, durante toda a permanência no ambiente escolar, incluindo intervalos e aulas vagas.

Pela nova lei estadual, os eletrônicos só podem ser utilizados para atividades pedagógicas, quando solicitado pelos professores; por motivos de saúde, mediante comprovação médica; ou para garantir acessibilidade e inclusão de estudantes com deficiência ou dificuldade de aprendizagem.

Na teoria, a medida só vale para os alunos. Contudo, os colégios da capital paulista têm orientado docentes e demais funcionários a também seguirem a regra, para servir de exemplo aos estudantes.

Para ver como a lei tem funcionado na prática, o g1 visitou escolas públicas e privadas de São Paulo e conversou com alunos, professores e gestores sobre o início do ano letivo.

  • De modo geral, os colégios estão investindo no diálogo e numa abordagem educativasobre a legislação e o uso saudável dos eletrônicos para fazer valer a nova regra;
  • Professores e gestores relataram um cenário “surpreendentemente positivo” nos primeiros dias de aula. Apreensivos, eles temiam que alunos tivessem crises de ansiedade devido à falta de acesso aos aparelhos, o que ainda não se mostrou uma realidade;
  • Os alunos entendem e já começaram a perceber os benefícios da proibição dentro de sala de aula, mas questionam a extensão da medida para os momentos de descanso, especialmente os mais novos, do 6º a 9º ano, que não veem diferença entre interagir com os colegas por meio das telas e presencialmente;
  • Jogos de carta, de tabuleiro, livros e esportes têm ajudado na distração durante os intervalos. Por isso, as escolas planejam aumentar a oferta de atividades. Alguns estudantes relatam tédio, enquanto outros já quebram a cabeça para planejar novos passatempos;
  • Os alunos sentem falta de ver a hora no celular, mesmo havendo sinais sonoros para indicar as trocas de aula. Com isso, alguns investiram em relógios de pulso (sem acesso à internet), enquanto outros se uniram para pedir que suas escolas instalem relógios com visor eletrônico dentro das salas de aula.

MUDANÇA DE HÁBITO

Alunos jogando cartas no horário do almoço em escola estadual de tempo integral na Zona Sul de SP – Foto: Renata Bitar/g1.

Eu acho essa lei boa pro horário da aula, mas pro recreio, acho que pegou muito pesado. A lei é pra gente se enturmar, compartilhar entretenimento com as outras pessoas, pra se aproximar mais, mas o celular já fazia isso. Eu e as minhas amigas, a gente já jogava junto (online) – Ana Clara, 12 anos.

A gente se sente muito escrava do telefone, não consegue parar. Agora que tá proibido, a gente tem o impulso de pegar e não pode, aí parece que a aula passa mais rápido. A gente ficava focado em duas coisas: o que tava acontecendo no telefone e o que tava acontecendo na aula. “Ah, será que tal pessoa me respondeu? Será que tem alguma coisa acontecendo?” e agora não tem mais isso, é só prestar atenção na aula. Parece que não tem que dividir tanto a atenção, então você consegue focar no que tá fazendo – Yasmin, 16 anos.

Estudante mostrando relógio que comprou para suprir a ausência do celular durante a aula – Foto: Renata Bitar/g1.

Eu sinto falta de olhar a hora, é meio entediante na sala de aula, mas meu pai tá um pouquinho rígido com a questão do celular. Ele falou que se eu for pego [utilizando], ele não vai vir pegar meu celular (na direção). Então, eu deixo guardado – Daniel, 13 anos.

A gente tinha o costume de pesquisar o que não entendia na internet. Agora, pelo menos, a gente é influenciada a perguntar pro professor. Então, tem que passar essa barreira da vergonha – Júlia, 16 anos.

Na sala a gente não faz nada, só escuta o professor, aí quando tá aqui [no intervalo] não faz nada também. Eu acho chato. Quando fica com o celular é bom porque você fica olhando, pode jogar com os amigos… mais legal – Haciel, 12 anos.

UMA NOVA CULTURA

O estado de São Paulo possui, desde 2007, uma lei que proíbe o uso de telefones celular nos estabelecimentos de ensino durante o horário de aulas. A nova legislação visa reforçar a anterior, expandindo a proibição também para os períodos de descanso.

Apresentado pela deputada Marina Helou (REDE), o projeto que resultou na nova lei trazia dados de estudos internacionais que ligavam o uso excessivo do celular a prejuízos na saúde mental e nas habilidades de concentração e dedicação de crianças e adolescentes.

Estudante jogando ping-pong durante o horário de almoço em escola estadual de ensino integral na Zona Sul de SP – Foto: Renata Bitar/g1.

Para alguns gestores educacionais, impor um limite para a utilização dos aparelhos se tornou ainda mais necessário depois da pandemia, quando os celulares se tornaram parte da rotina escolar e da vida de muitos estudantes.

“A pandemia prejudicou nisso também. Aqueles que não tinham o costume de usar, passaram a usar porque tinham as videochamadas, os professores trabalhavam na plataforma [online], os alunos tinham que acessar de alguma forma para fazer atividade e interagir com a turma”, disse Viviane Jordano, diretora da EMEF Padre Serafin Martinez Gutierrez, na Zona Leste da capital.

“Essa conscientização é um processo que deveria ter acontecido há muito tempo, quando surgiu toda essa tecnologia. Como não ocorreu, eu acho que, agora, a gente passou da hora de começar a trabalhar isso, todos nós, nos reinventarmos culturalmente com relação a isso”, analisou Vilson Giron, diretor da EE Padre Sabóia de Medeiros, na Zona Sul.

Segundo os gestores, nos últimos anos, as escolas vinham registrando muitos casos de cyberbullying e de crianças e adolescentes consumindo conteúdos inapropriados para suas idades pelas redes sociais, como pornografia — tudo isso, dentro do ambiente escolar.

Para guiar as instituições nesse processo de proibição do uso dos aparelhos eletrônicos, as secretarias, estadual e municipal de educação, emitiram instruções para as redes públicas de ensino. Na rede privada, os próprios colégios ficaram responsáveis por estabelecer suas normas, que também deveriam atender às determinações da lei.

“A gente conversou bastante com os professores para tentar encontrar uma solução que não seja punitiva, no sentido ‘caça às bruxas’, mas também não seja algo tão leve a ponto de a gente perder o controle daquilo que tá se propondo a fazer”, contou Emerson Pereira, diretor de tecnologia educacional do Colégio Bandeirantes, instituição privada localizada na Zona Sul de São Paulo.

Lá, foi determinado que os estudantes devem guardar os aparelhos desligados dentro de suas próprias mochilas.

“Nós estimulamos muito fortemente o uso de tecnologia nos últimos anos. Então, muitos dos nossos materiais didáticos são digitais, a gente tem o tablet como um material didático. A regra que a gente acabou criando aqui é que o celular é totalmente proibido e os tablets podem ser usados quando os professores solicitarem o uso, somente para atividades pedagógicas”, disse Emerson.

Estudantes jogando carta durante o intervalo no Colégio Objetivo – Paulista – Foto: Renata Bitar/g1

No caso do Colégio Objetivo – Paulista, os celulares são recolhidos antes da primeira aula e armazenados na sala dos orientadores de cada andar até o fim do período. Os alunos devem assinar uma lista tanto na entrega quanto na devolução dos aparelhos.

“Nós combinamos primeiramente de orientar, lembrar do que ficou combinado, lembrar da legislação. Por enquanto, nem falamos em punição”, disse Maria Luiza Guimarães, diretora da unidade.

PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Para alguns professores, já há uma mudança notável na postura dos alunos nas aulas. “Estão muito mais participativos, é visível. E também tem a contrapartida, tem aluno dormindo, então você tem que estar o tempo todo ali, captando a atenção dele, mas é uma minoria”, relatou Josiane Milani, professora de Filosofia na EE Padre Sabóia de Medeiros.

Estudante em aula na EMEF Padre Serafin Martinez Gutierrez, na Zona Leste de SP – Foto: Renata Bitar/g1.

Apesar de ser crítica ao uso indiscriminado do celular em aula, a docente acredita que a tecnologia tem um papel importante no aprendizado dos estudantes.

“A gente não quer voltar naquele tempo em que o professor ficava ali, falando, e os alunos só ouvindo. Eles precisam ir atrás. Hoje em dia, as informações, quer a gente queira, quer não, estão na mão. Mas eles não usavam o celular para isso. Acho que dá para fazer esse meio-termo, levá-los para as salas de informática, porque é importante eles saberem buscar as informações”, avaliou Milani.

“Temos relatos dos professores de que está sendo muito positivo em sala de aula, que os alunos estão bem tranquilos. Eles (professores) também estavam preocupados com isso”, disse Karen Gregório, coordenadora do ensino médio no Objetivo – Paulista.

Segundo Karen, a lei ter entrado em vigor antes que o ano letivo começasse foi algo positivo. Isso porque a escola conseguiu orientar com antecedência os pais e responsáveis sobre algumas mudanças que precisariam ocorrer nesse retorno às aulas, como a forma de se comunicarem com os filhos e até o método de pagamento nas cantinas.

“Muitos têm o cartão no celular, fazem pix… então eu tava um pouco preocupada com isso, mas nós não tivemos problemas. Só um aluno que fez assim ‘meu cartão está dentro da capinha do celular’, aí ele foi lá, a orientadora pegou, deu o cartão pra ele e ficou tudo bem”, contou a coordenadora.

Mesmo que o semestre esteja apenas no início, professores e gestores estão confiantes na implementação da nova lei e acreditam que ela será benéfica aos alunos, dentro e fora das salas de aula.

Por Renata Bitar – g1 SP

 

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