EDITORIAL: “VARA DE MARMELO” E A VIOLAÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA

Quando o discurso político cruza a linha da legalidade e piza na areia movediça

 A declaração do vereador Marcelo Achutti (MDB), sugerindo o uso de uma vara de marmelo para afastar pessoas em situação de ‘rua’ em Balneário Camboriú, não é apenas um discurso infeliz – é uma afronta à Constituição Federal, aos direitos humanos e às normas internacionais que protegem a dignidade de todos os cidadãos. Mais do que uma fala polêmica, trata-se de um incentivo à violência, passível de responsabilização jurídica e política.

Como bem estabelece a Constituição: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos diretamente, nos termos desta Constituição” (artigo 1º, parágrafo único). Isso significa que quem ocupa um cargo eletivo deve agir com responsabilidade e dentro dos limites legais, pois seu poder não é absoluto nem pode ser usado para incitar agressões contra qualquer grupo social.

A CONSTITUIÇÃO E A DIGNIDADE HUMANA

A Constituição de 1988, em seu artigo 1º, inciso III, estabelece que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado brasileiro. Isso significa que qualquer ação ou discurso que incite a violência contra grupos vulneráveis viola um dos pilares do ordenamento jurídico nacional.

Além disso, o parágrafo 3º do artigo 1º reforça o compromisso do Brasil com a prevalência dos direitos humanos, garantindo que o poder público atue para proteger e incluir, e não para perseguir e reprimir.

O próprio Rui Barbosa já alertava: “A força do direito deve superar o direito da força.” Esse princípio reforça que a solução para problemas sociais não pode vir da violência institucionalizada, mas sim do respeito às leis e à dignidade humana.

COMPROMISSOS INTERNACIONAIS E NORMAS DE DIREITOS HUMANOS

O Brasil é signatário de importantes tratados internacionais que vedam qualquer forma de violência institucional contra pessoas em situação de vulnerabilidade:

  • Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) – Afirma que todos nascem livres e iguais em dignidade e direitos (Art. 1º) e proíbe tratamentos cruéis ou degradantes (Art. 5º).
  • Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966) – Assegura que ninguém pode ser submetido a tortura ou a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes (Art. 7º).
  • Convenção Contra a Tortura da ONU (1984) – Criminaliza a tortura e qualquer prática de punição degradante, incluindo abusos promovidos por agentes públicos.

Com declarações como essa, o vereador não apenas desconsidera esses compromissos, mas coloca o próprio Brasil em risco de sanções e questionamentos perante organismos internacionais de direitos humanos.

A SITUAÇÃO DA POPULAÇÃO DE RUA EM SANTA CATARINA

O descaso com que o parlamentar tratou a questão ignora dados concretos sobre a realidade social do Estado. Segundo um relatório do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), divulgado em dezembro de 2022, Santa Catarina registrava 9.065 pessoas em situação de rua, sendo o oitavo estado com maior população vulnerável do país. Esse número demonstra que o problema exige políticas públicas eficazes, e não discursos que promovam a exclusão e a violência.

CONSEQUÊNCIAS PARA O VEREADOR

As palavras de Marcelo Achutti podem gerar responsabilização legal e política, já que incitação à violência contra qualquer grupo social pode configurar crime e infração administrativa. Entre as possíveis penalidades estão:

  • Crime de incitação à violência (art. 286 do Código Penal), com pena de três a seis meses de detenção ou multa.
  • Ação por improbidade administrativa (Lei 8.429/1992), por ferir os princípios da moralidade e legalidade na gestão pública.
  • Processo disciplinar na Câmara de Vereadores, que pode levar a sanções como advertência, suspensão ou até cassação do mandato.

O histórico político brasileiro já conta com exemplos de parlamentares que perderam seus mandatos ou foram condenados por discursos que incitavam violência e violavam princípios constitucionais.

O QUE PODE SER FEITO?

O enfrentamento do problema da população em situação de rua não se resolve com repressão, mas com políticas eficazes de reintegração social. Experiências bem-sucedidas em outros países e cidades brasileiras mostram que ações concretas podem reduzir o número de pessoas vivendo em situação de rua:

  • Modelo finlandês de moradia social, que forneceu habitação permanente e reduziu drasticamente a população em situação de rua.
  • Programa Reencontro, em São Paulo, que oferece moradia, assistência psicológica e qualificação profissional para garantir reinserção social.

ENTRE AS MEDIDAS QUE PODEM SER ADOTADAS ESTÃO:

  • Investimento em habitação social e acolhimento digno;
  • Atenção psicossocial e tratamento para dependência química;
  • Capacitação profissional e reinserção no mercado de trabalho.

CONSIDERAÇÕES

A incitação à violência contra pessoas em situação de rua não pode ser tolerada. O uso da “vara de marmelo” como solução política não apenas remete a tempos de barbárie, mas também viola a Constituição, os tratados internacionais e a própria dignidade humana.

Cabe às instituições – Ministério Público, Câmara de Vereadores e sociedade civil – exigirem responsabilização e um posicionamento firme contra esse tipo de discurso. O verdadeiro caminho para enfrentar essa crise não é a violência, mas sim políticas públicas baseadas na inclusão, no respeito e na garantia de direitos para todos.

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Da redação Folha do Estado

 

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