O Triunvirato hegemônico da BlackRock, Vanguard e State Street

Enquanto a mídia destacava o protagonismo de gigantes como Apple e Amazon, três gestoras — BlackRock, Vanguard e State Street — consolidavam uma influência sem paralelo nos bastidores do sistema financeiro. Atualmente, administram US$ 24 trilhões, montante superior ao PIB somado de todas as economias da América Latina, África e Oriente Médio. Embora permaneçam fora dos holofotes, sua influência é inquestionável, sobretudo por meio dos fundos de índice passivos, conhecidos como ETFs (Exchange-Traded Funds).

A Origem e o Crescimento dos ETFs

A ascensão do trio está intrinsecamente ligada à popularização dos ETFs. Em 1993, a State Street lançou o primeiro fundo de índice negociável em bolsa, o SPDR S&P 500 (SPY), democratizando o acesso a carteiras diversificadas com taxas reduzidas. Três décadas depois, BlackRock, Vanguard e State Street — conhecidas como as “Big Three” — concentram cerca de 74% do mercado global de ETFs. A BlackRock lidera com sua família de ETFs iShares (34% de participação), seguida pela Vanguard (29%) e pela pioneira State Street (14%).

Cada gestora traz estratégias distintas:

  • BlackRock (US$ 10 trilhões em ativos) destaca-se pela diversificação, com mais de 800 ETFs sob a marca iShares. 
  • Vanguard (US$ 8,5 trilhões) prioriza custos baixos e uma estrutura única, onde os cotistas são proprietários da empresa.  
  • State Street (US$ 4 trilhões) mantém relevância com produtos icônicos, como o SPY, que segue sendo um dos ETFs mais líquidos do mundo.

Concentração e Participações Cruzadas

A aparente neutralidade dos ETFs passivos — que replicam índices sem gestão ativa — esconde uma concentração crescente. Enquanto fundos ativos compram e vendem ações conforme análises e estratégias, os ETFs mantêm posições mais estáveis. Dessa forma, as gestoras acumulam fatias expressivas nas maiores empresas do planeta, conquistando poder de voto e influência significativa em assembleias de acionistas. Em muitos casos, são as maiores ou segundas maiores acionistas de companhias como Apple, Microsoft, Alphabet (Google) e Amazon.

Para se ter dimensão desse alcance, o trio detém aproximadamente 20% da Apple, 18% da Microsoft e 14% da Amazon — porcentagem que supera até a participação de 9% de Jeff Bezos na empresa que fundou. Além disso, existe a chamada “participação cruzada” entre as próprias gestoras: a BlackRock possui 6,2% da State Street; a Vanguard detém 12,5% da State Street e 9,08% da BlackRock. Este fenômeno desperta preocupação sobre governança corporativa, visto que milhões de pequenos investidores — professores, enfermeiras, bombeiros — confiam suas economias a instituições que, em última instância, concentram poder de voto e influenciam o rumo de grandes corporações.

Um Dilema de Antitruste

A dominância das “Big Three” desafia as autoridades regulatórias quanto à aplicação de leis tradicionais de concorrência. Como tratar entidades que não são donas diretas dos ativos (mas sim administradoras de recursos de terceiros), possuem participações cruzadas em empresas concorrentes e, além disso, não competem entre si de modo convencional?

Essa questão fica clara em alguns setores:

  • Aviação: A Vanguard é a maior acionista de American, Delta e United.
  • Farmacêutico: A BlackRock figura entre os três principais investidores de Pfizer e Moderna.
  • Tecnologia: A State Street detém participações relevantes em Apple, Google e Meta (Facebook).

Embora as gestoras trabalhem para proteger os interesses de seus cotistas, o fato de terem parcelas consideráveis em concorrentes diretas alimenta debates sobre possíveis impactos na competição, no preço final ao consumidor e na inovação.

Polêmicas, ESG e “Capitalismo Woke”

Larry Fink, CEO da BlackRock, ganhou destaque ao defender o “capitalismo stakeholder”, que propõe que as empresas se responsabilizem também por sustentabilidade e questões sociais. Em 2023, 94% das propostas ESG apoiadas pela BlackRock foram aprovadas, incluindo metas de redução de emissões na Exxon e iniciativas de diversidade no Goldman Sachs.

Por outro lado, as gestoras enfrentam críticas que as acusam de praticar um “capitalismo woke”, usando recursos de pequenos investidores para financiar agendas políticas. Vivek Ramaswamy, ex-CEO da Strive Asset Management, endossa essas críticas. Em resposta, a Vanguard deixou a coalizão climática Net Zero Asset Managers em 2022 para enfatizar sua “neutralidade” em temas ambientais.

As “Big Three” são alvo de teorias que vão de manipulação governamental a controle global da economia. Diante disso, naturalmente surgem dúvidas sobre quais questionamentos são válidos e quais não passam de especulação.

Mitos vs. Realidade

  • Mito: “Controlam o mercado imobiliário dos EUA.”
    Realidade: Investidores institucionais, incluindo as “Big Three”, são donos de apenas 3% das casas unifamiliares. A BlackRock investe majoritariamente em complexos multifamiliares e títulos lastreados em hipotecas.
  • Mito: “Ditam políticas governamentais.”
    Realidade: O lobby conjunto das “Big Three” totalizou US$ 14 milhões em 2023, enquanto o setor de combustíveis fósseis investiu US$ 352 milhões em lobby no mesmo período. O real poder das gestoras deriva mais da influência estrutural (voto acionário) do que de pressões diretas sobre governos.
  • Mito: “São donas da economia global.”
    Realidade: Cerca de 92% dos ativos administrados pertencem a terceiros (fundos de pensão, pequenos investidores etc.). Sem essa confiança coletiva, o poder financeiro delas seria muito menor.

Cenários Futuros

Especialistas vislumbram três caminhos possíveis para o triunvirato BlackRock-Vanguard-State Street:

  1. Ruptura regulatória: Projetos de lei como o Stop Wall Street Looting Act (em discussão nos EUA) podem restringir participações cruzadas e exigir uma maior dispersão de ativos.
  2. Adaptação via tecnologia: Inovações em blockchain e ETFs tokenizados podem desafiar o oligopólio, ao promover formas de governança mais descentralizadas.
  3. Domínio contínuo: Na ausência de reformas regulatórias ou tecnológicas, é provável que os ativos sob gestão dessas instituições cheguem a US$ 30 trilhões até 2030, aumentando ainda mais sua influência no sistema financeiro.

Conclusões

BlackRock, Vanguard e State Street ocupam posições estratégicas tanto na determinação de tendências de investimento quanto na governança corporativa de diversas multinacionais. Seu modelo de gestão passiva oferece produtos de baixo custo e acessibilidade a investidores de diferentes perfis, contribuindo para a democratização do mercado financeiro. Ao mesmo tempo, a alta concentração acionária em empresas concorrentes desperta receios quanto à redução de competição, aumento de preços para o consumidor e possível desaceleração de inovações.

Esse debate envolve aspectos de regulação, governança corporativa e transparência. À medida que as três gestoras expandem seus ativos e ganham peso no mercado, é provável que cresça a pressão social e regulatória se a concentração de poder for vista como um risco ao interesse público. Além disso, questões como a adoção de práticas ESG e a obrigação de defender o melhor interesse dos investidores continuam centrais na discussão.

Embora não se possa concluir que as Três Grandes controlem a economia global, sua posição sem precedentes — com poder de voto em inúmeras companhias e capacidade de determinar padrões de governança — requer atenção constante devido ao impacto concreto que elas podem ter no mercado financeiro a nível internacional.

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