Procuração mostra vínculo ao Cruzeiro e pode atrapalhar Ronaldo na CBF

A candidatura ou um eventual mandato de Ronaldo Nazário na presidência da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) podem ser afetados por causa de um documento sobre a venda do Cruzeiro para a BPW Sports Participações. Conhecido como “Fenômeno”, o ex-atacante da Seleção brasileira anunciou em dezembro a sua candidatura ao comando do órgão.

O Poder360 teve acesso a uma procuração que dá ao ex-atleta o poder de “celebrar quaisquer documentos e realizar quaisquer atos” relacionados ao contrato ou a eventuais novas adições relacionadas ao processo às transações do clube mineiro. Poderia representar conflito de interesse com a confederação.

O texto foi registrado em cartório em 1º de julho de 2024, meses depois da venda em abril. Há uma outra situação em que Ronaldo ganha ainda mais influência sobre o time: quando for registrada inadimplência.

O documento diz que o ex-jogador deve receber ações do clube de volta em caso a BPW não consiga efetuar o pagamento da compra do Cruzeiro. Se conseguir emplacar o comando da CBF e houver a inadimplência, Ronaldo teria um impasse com duas opções para resolução:

  1. vender as ações que recebeu de volta e permanecer na CBF;
  2. deixar o cargo e ficar com as ações.

Somada a parcerias comerciais e empresariais, a “saia justa” sinalizada pela procuração também pode levantar dúvidas sobre a viabilidade ética e legal de um mandato na confederação. Eis a íntegra do documento (PDF – 1 MB).

“Ele não pode ficar impedido de disputar a eleição da CBF, porque eventualmente ele vai ser credor das ações do clube em razão de um suposto eventual inadimplemento […] Agora ele vai ter que vender isso daí assim que essas ações retornarem para ele”, declarou ao Poder360 Mauricio Corrêa da Veiga, advogado especialista direito do Entretenimento e sócio do Corrêa de Veiga Advogados.

Uma procuração permite formalizar poderes específicos que uma pessoa já pode exercer. O objetivo é dar segurança jurídica em situações que exigem registro oficial dessas funções. A cláusula sobre as ações é comum na venda de clubes, mas criaria o impasse caso envolvesse um presidente da CBF.

Procurada pelo Poder360, a assessoria de Ronaldo disse que “as ações […] foram colocadas como garantia de pagamento do preço de compra –uma prática comum em contratos com pagamentos parcelados”

Também declarou que o ex-jogador “não possui mais participação na Tara Sports Brasil –empresa que detinha 90% do Cruzeiro”. Leia a íntegra da nota ao final da reportagem.

A procuração concede poderes para que um comprador/financiador venda ou transfira ações e direitos dados como garantia, caso seja necessário, para assegurar o cumprimento do contrato. 

O documento determina o seguinte:

  • acordo – pode ser feito de forma judicial ou extrajudicial;
  • dinheiro recebido – será usado para pagar dívidas garantidas, descontar despesas e, se houver, devolver o restante ao proprietário original;
  • representação –  Ronaldo pode representar o time como acionista em órgãos e agentes financeiros caso haja a inadimplência e ele volte a ser acionista. É o caso da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e da B3 (Bolsa de Valores de São Paulo).

A procuração está registrada na Junta Comercial de Minas Gerais, em Belo Horizonte. É lá onde fica a sede do Cruzeiro.

Esse instrumento faz parte de um acordo de alienação fiduciária, garantindo o controle das ações do clube até a quitação integral do valor, previsto para julho de 2035.

OUTROS CONFLITOS

Além da ligação com o Cruzeiro, Ronaldo mantém contratos com grandes patrocinadores da CBF. Nike, Itaú e Betfair são exemplos. Sua empresa ODZZ Network também administra carreiras de atletas em destaque na seleção brasileira. 

Especialistas avaliam que essas relações comerciais podem comprometer a imparcialidade necessária ao cargo de presidente da confederação.

O artigo 11º do Código de Ética e Conduta Do Futebol Brasileiro determina que dirigentes mantenham independência de decisões institucionais, o que pode ser comprometido por interesses financeiros em clubes ou empresas vinculadas à confederação.

“Entende-se por interesses particulares ou de terceiros qualquer possível vantagem que resulte em benefício econômico próprio ou de terceiros”, diz o documento. Eis a íntegra (PDF – 328 kB).

O Poder360 procurou a CBF às 11h34 e o Cruzeiro às 13h11 desta 4ª feira (22.jan.2025) por meio de WhatsApp para perguntar se gostariam de se manifestar a respeito de um possível conflito de interesses de Ronaldo. 

O clube mineiro disse que precisaria de mais tempo para responder todas as perguntas. Não houve resposta da confederação até a publicação desta reportagem. O texto será atualizado caso as manifestações sejam enviadas a este jornal digital.

Leia a íntegra do que disse a assessoria de Ronaldo:

“Esse contrato não mantém o Ronaldo sócio do Cruzeiro. Ele é uma garantia em caso de não pagamento. Ou seja:

“Ronaldo não possui mais participação na Tara Sports Brasil –empresa que detinha 90% do Cruzeiro SAF. Ele contratou a venda de 100% de sua participação no dia 29 de abril de 2024. Como é padrão em transações desse porte, o processo só foi concluído em 1º de julho de 2024, após a finalização de auditorias e demais condições contratuais. Nessa data, as ações foram transferidas para a BPW, que iniciou o pagamento do valor acordado. 

“Sobre o instrumento particular de alienação fiduciária em garantia, sua finalidade é a segurança jurídica: as ações da Tara foram colocadas como garantia de pagamento do preço de compra – uma prática comum em contratos com pagamentos parcelados. O que significa que, em caso de inadimplência, as ações adquiridas pela BPW são alienadas e o produto da venda usado para saldar a dívida, conforme os trâmites previstos contratualmente. Uma garantia que não dá ao Ronaldo qualquer direito político, econômico ou societário sobre a Tara Sports ou o Cruzeiro SAF desde 1º de julho de 2024.

“Essas cláusulas são usuais em negócios dessa magnitude e servem apenas para proteger o credor em caso de descumprimento do pagamento do valor total acordado. Elas não alteram a natureza definitiva da operação.”

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