André Bonomini: E o Tupi caiu em silêncio

Era um daqueles dias de 1995. Para quem voltasse para casa de ônibus, todos os caminhos levavam quase que obrigatoriamente ao gigante ponto de parada dos coletivos sob o telhado do então Pão de Açucar. Estava sempre cheio, entre pessoas correndo aqui e acolá buscando embarque em veículos mais a frente ou mais atrás.

Um dia de chuva, aquele subir da fumaça de muitos carros parados em fila, embarques e desembarques, alternando com o ruído estridente do motor arrancando e respingando a água do mau tempo suavemente nos irritados passageiros de sempre. Alguns quietos, outros falantes, resmungos e reclamações. Tudo isto sob o olhar de uma criança de cinco anos.

Quando eu e minha mãe embarcávamos, até mesmo um lugar simples era um bom refúgio. O ambiente de um Troncal 10 era o mesmo sempre: apinhado de pessoas, odores incômodos, aquelas bolsas características dos estudantes do Colégio SOS ou do cursinho do Positivo, a idosa que voltava do Centro de Saúde com caixas de Cardizem e a chuva tombando do lado de fora do Busscar-Volvo, em marcha lenta-quase-parando numa 7 de Setembro congelada no rush.

Uma das salas e porta da uma das sacadas de esquina do Edifício Tupi (Lobe Imóveis)

Diante de mim, com aquela curiosidade aguçada pelo ambiente urbano, me vinha sempre na mente aquele curioso edifício de esquina entre o Cafehaus e o Plaza, a convivência com o moderno chegando velozmente espremendo o antigo no seu abandono e subutilização. O Edifício Tupi, cujo nome cravado em alto-relevo no topo me chamava atenção, a arquitetura antiquada e diferente, um pequeno entre os gigantes espigões dos anos 1990.

Até aonde minha memória pueril podia puxar, havia no andar térreo um pequeno salão de cabelereiros, só não recordando se era de beleza ou para cavalheiros. Fora isso, os andares superiores estavam fechados ou até ocupados por simples habitações. Entre meias-luzes e janelas antigas, o meu olhar vidrado diante daquele curioso conjunto de salas comerciais anônimo e apagado num entardecer chuvoso.

Aqueles elementos da vida urbana, em silencio, num canto esquecido das esquinas, talvez sejam os que mais observam memórias sendo escritas entre o nascer e pôr-do-sol. O Tupi não era o maior de todos, não é o mais lembrado nos livros de história, mas no seu pitoresco e discreto silêncio de mais de seis décadas, assistiu todas as facetas de Blumenau ao longo do tempo.

Ele estava de pé quando as enchentes chegavam a tocar-lhe a primeira sacada da sobreloja. Talvez, assistira o silente atravessar da Ana Bugra pela silenciosa Rua 7 de duas mãos de direção saindo do Sagrada Família rumo ao Centro para comprar um qualquer coisa. Pelas paredes vizinhas subia o aroma de carnes assadas da Churrascaria Adolfo, ao lado, ou nos fins de noite ouvia os ônibus de turistas ávidos pela magia da cidade desembarcando diante do Hotel Glória.

Enchente de 1983, caiaque desce a Rua 7 em passagem de frente para a Rua Paul Hering, entre o Hotel Glória e o Edifício Tupi (Arquivo JSC)

O Tupi era um daqueles lugares blumenauenses que todos notavam, embora nada por ali marcasse uma época para entender que lugar era aquele de fato. Muitos dos que cruzam a Rua 7 até hoje recordam vagamente do velho edifício de linhas elegantemente clássicas que o tempo e o esquecimento tornara arcaico, tal como um ponto de referencia ou, injustamente, um local de pouca nobreza naquela via corrida.

Partiu em silêncio, como sempre o fora. Esquecido, desmazelado, sem esboçar uma velha glória perdida no seu tempo. Era um ponto que este escriba carregava desde criança, o observando em uso ou apagado, apenas esperando uma sorte melhor diante da selva de pedra. Sucumbiu ao tempo e foi tombado, para revolta de alguns ou indiferença de outros. Mais um espaço vago, mais um vazio que servirá a especulação imobiliária ou como paradouro destes carros tão além do tempo do velho prédio.

Era melhor assim? Podia ser recuperado mesmo estando tão comprometido? Poderia ter história melhor? Agora é meio tarde para lamentar o tombamento do velho Tupi, mas nunca passamos da hora quando o assunto é lembrar que há uma forma de conciliar o moderno ao clássico, em novos usos e ocupações no futuro. Preservar a memória passa pela arquitetura que atravessou os tempos e segue atravessando. E outros espaços, assim como o Tupi, esperam dias melhores e não garras de escavadeiras o arranhando e tombando.

Um dos projetos de revitalização do Tupi, nunca executado. A derrubada veio bem antes (Lobe Imóveis)
O terreno vazio. Fala-se em uso para um estacionamento ou uma nova construção Por hora, apenas o vazio (Lobe Imóveis)

Para o Tupi, o tempo acabou. Desceram com os escombros marcas de uma Blumenau de outros tempos. Talvez de pequenos edifícios que já foram sinal do progresso, do crescimento e do avanço e, hoje, ou tomam novos formatos e rumos ou acabam na pilha de tijolos e restos retorcidos e quebrados.

A morte silenciosa, as vezes, é a mais dolorida e incompreensível. Assim foi o Tupi, ele não existe mais, a não ser na memória daquele garoto de cinco anos de idade. Ele ainda vai ter a curiosidade aguçada por aquele velho edifício, mas não o mais no seu futuro.

A cidade muda, e as vezes, infelizmente muda.

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