O Uso da Força e o Dilema da Segurança Nas Relações Internacionais

Por Que o Uso da Força Nas Relações Internacionais Voltou a Ser Considerado Após o Fim da Guerra Fria? Quais os Dois Campos Considerados no Debate em Relações Internacionais? Por Que os Realistas e os Construtivistas Têm Visões Diferentes Sobre a Segurança de Um País?

Por Que o Uso da Força Nas Relações Internacionais Voltou a Ser Considerado Após o Fim da Guerra Fria? Quais os Dois Campos Considerados no Debate em Relações Internacionais? Por Que os Realistas e os Construtivistas Têm Visões Diferentes Sobre a Segurança de Um País?

Os assuntos sobre segurança internacional sempre foram destaque na mídia e nos trabalhos acadêmicos, pois durante os anos da Guerra Fria esse tema foi o centro das Relações Internacionais. Mas, com o desaparecimento desse conflito – no final dos anos 80 – o enfoque desse campo de pesquisa mudou para a Economia.

Os ataques terroristas de 11 de setembro nos EUA mudaram novamente as percepções, e não se pode restringir essa nova realidade somente aos Estados Unidos. O fim da Guerra Fria deu novo ímpeto à visão – defendida por alguns há muito tempo – de que interesses e desafios econômicos são mais importantes na condução do Estado, do que os ligados à área militar. “As capacidades militares provavelmente serão menos importantes do que elas têm sido no passado. Medidas econômicas serão centrais” (Huntington, 1991, p. 8).

Tanto era assim que no Livro Branco de Defesa da Austrália, afirmava-se que “o recurso à força continuará a ser restringido por muitos aspectos do sistema internacional, e conflitos armados entre Estados deverão ser menos comuns do que em anos anteriores, mas sempre haverá o risco de que as circunstâncias possam mudar, e que essas restrições não sejam mais efetivas” (Governo Australiano, 2000, p. 7). Outras percepções também ganharam força.

Contudo, nota-se que as circunstâncias mudaram e o uso da força nas relações internacionais voltou a ser considerado não como possível, mas como de fato empregado, como se pôde observar no Afeganistão (2002) e Iraque (2003). Correlato a esta ideia está o comentário do ex-embaixador Rubens Ricúpero afirmando que “o atual momento histórico está marcado por três características: a volta do predomínio do político sobre o econômico; a volta do poder de Estado sobre mercados; e, terceiro, os realinhamentos em curso que obedecem não à lógica dos mercados, mas à lógica do que Oliveiros Ferreira denomina de Grande Estratégia” ([1]).

Por isso, a importância da compreensão sobre o uso da força em relações internacionais voltou a ter um papel central. Essa aplicação do instrumento militar não está dissociada de outras políticas, tendo em vista que uma política de defesa de um Estado, em qualquer país do globo, pode ser explicada como decidida e executada dentro de uma estrutura composta por dois processos políticos, um externo e outro interno.

O primeiro processo tem uma característica interestatal, e abarca a barganha e a negociação entre as nações por vantagens, nas quais a força ou a ameaça do seu uso é a medida básica de troca. O segundo processo é intra-estatal, o que significa o envolvimento das instituições que têm papel na definição das políticas de segurança nacional e de defesa e todos os aspectos da política interna de um Estado (Kolodziej e Harhavy, 1982, p. 15).

Mas o que vem a ser segurança? Pode-se dizer que o debate em Relações Internacionais está concentrado em dois campos. De um lado encontra-se o tradicional Realismo (ou Racionalismo) e, do outro, o Idealismo (Construtivismo). O campo da Segurança (ou Defesa) também seguiria esse mesmo debate sendo que ele começa pela conceituação do termo Segurança e da definição de sua abrangência.

Novamente, Realistas e Construtivistas têm visões diferentes, dentre outras, sobre o foco que se deve observar quando se estiver abordando a segurança de um país. Essa questão é muito importante, pois muitas análises sobre segurança internacional são feitas sem uma base teórica adequada.

Segurança

Tradicionalmente, a maior parte da literatura nessa área é baseada nos conceitos de poder e paz. Aqueles a favor de uma abordagem baseada em poder derivam suas análises da Escola Realista de Relações Internacionais, a qual tem eminentes expoentes em E. H. Carr (1946), Hans Morgenthau (1973) e Kenneth Waltz (1979).

Já os que favorecem a abordagem pela paz são mais associados à Escola Idealista, que tem o foco de análise primordialmente concentrado na segurança do sistema internacional, tentando conciliar essa perspectiva com a de segurança nacional. Na perspectiva idealista, ao se reduzir as ameaças externas ao Estado, reduzem-se as ameaças ao sistema internacional como um todo.

Um dos expoentes desse pensamento é Martin Wight, que arguiu: “se há uma sociedade internacional, então há um certo tipo de ordem a ser mantida, ou mesmo desenvolvida”. Não é uma falácia falar sobre um interesse coletivo, assim, segurança adquire um sentido mais amplo: ela pode ser usufruída ou perseguida em comum.

Com o mundo mergulhado na bipolaridade da Guerra Fria, muitos acadêmicos tiveram que reforçar a perspectiva de que vários segmentos do sistema internacional estavam interligados a tal ponto que a segurança e bem-estar de cada um dependiam do outro, como pode ser percebido nas obras de Leonard Beaton (1972).

Os idealistas sustentam que seu conceito os permite ver não somente o problema em termos holísticos, em oposição à fragmentada visão dos realistas, mas também que eles focam suas atenções diretamente na essência do problema da guerra. E como a guerra é a maior ameaça proveniente do problema de segurança nacional, a solução para tal eliminaria em grande parte este problema da agenda internacional.

Portanto, os realistas tendem a ver a segurança como um derivativo do poder: um ator com suficiente poder que atinja uma posição dominante adquiriria como resultado a sua segurança. Já os idealistas tendem a ver a segurança como a consequência da paz. Uma paz duradoura proveria segurança para todos.

A principal evidência do não desenvolvimento do termo segurança como um conceito no campo das relações internacionais pode ser percebido pelo seu uso na literatura da área. O termo, muito usado tanto nesta como em outras disciplinas ou ainda por quem trabalha nos governos, tende a ser aceito como o conceito organizador da reflexão.

Existe um grande número de trabalhos em que se estudam os problemas e tópicos de segurança nacional contemporâneos, no qual a segurança é o foco normativo central, sendo que a maior parte destes é proveniente da subárea de Estudos Estratégicos.

As políticas externas, militares e econômicas dos Estados, a interseção das mesmas em áreas de mudança ou de disputa e a estrutura geral das relações que elas criam são todas analisadas como intenções a fim de se atingir a segurança nacional e/ou internacional. Assim, apenas após o aparecimento das preocupações econômicas e ambientais na década de 70, é que o conceito de segurança passou a ser tratado em outros termos e não somente como os interesses políticos de determinados atores. Mesmo assim, ao fim da década de 1980, a discussão ainda tinha uma grande ênfase militar.

Pesquisando o conceito comum na literatura sobre segurança, pouco será encontrado anterior a 1980. Após a Primeira Grande Guerra, deu-se um entusiasmo pela segurança coletiva, mas o fracasso da Liga das Nações e, posteriormente, das Nações Unidas em lidar com o assunto truncou os interesses nesta abordagem (cf. Pick, 1974; Stromberg, 1963; Naidu, 1974; Buzan, 1987, p. 265-67).

O que pode ter sido um grande avanço foi a ideia de John Herz de “dilema da segurança” (security dilemma) no início dos anos cinquenta (Hertz, 1950, 1951, 1959). Ou seja, adotava uma concepção estrutural na qual os Estados têm que obter por sua própria conta os meios necessários para a sua segurança, sem depender de ninguém (o que o autor chama de autoajuda). Entretanto, esta busca tende seguir a intenção de somente se defender e, assim, a aumentar a insegurança dos outros, pois cada governo pode interpretar essas medidas tomadas pelos demais como potenciais ameaças, e procurará aumentar os seus próprios meios de defesa, daí o dilema da segurança.

REFERÊNCIAS

CARTER, Ashton B.; PERRY, William J. Preventive defense. a new security strategy for America. Washington: Brookings Institution Press, 1999. CREAWFORD, Neta C. Once and future security studies. Security Studies, v. 1, n. 2, 1991.


([1]FERREIRA, Oliveiros S. Crise da política externa: autonomia ou subordinação? São Paulo: Renavan, 2001.

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