Brasil completa 40 anos de democracia, maior período da história

O Brasil completa 40 anos de democracia neste sábado (15.mar.2025). É o maior período democrático ininterrupto da história do país. Nessas 4 décadas houve eleições regulares para presidente, senadores, deputados federais, governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores. Ao mesmo tempo, houve um número inédito de criação de partidos políticos, de todas as ideologias (leia mais abaixo).

Em 15 de março de 1985, José Sarney (então no PMDB), atualmente com 94 anos, tomou posse como presidente da República. Foi o 1º civil depois de 21 anos com presidentes militares. A ditadura brasileira teve várias fases, com diferenças na intensidade das restrições às liberdades de expressão e política.

Sarney foi da Arena (que depois virou PDS), o partido que deu sustentação ao governo no regime militar. O então presidente da República, João Figueiredo (1918-1999), anunciou em rede nacional de TV em dezembro de 1983 que não coordenaria o processo de sucessão. O deputado Paulo Maluf (SP), atualmente com 93 anos, se lançou candidato a presidente em janeiro de 1984. Mas havia resistência de parte do partido a ele. Sarney, presidente do PDS, propôs em junho que o partido fizesse prévias para a escolha do candidato. Figueiredo vetou a ideia. Sarney deixou o presidência do partido.

Governadores do PMDB lançaram em junho de 1984 o mineiro Tancredo Neves (1910-1985) candidato a presidente da oposição na eleição presidencial indireta de 1985. Um grupo de 45 congressistas do PDS, incluindo Sarney, criou a Frente Liberal em julho de 1984, uma dissidência do partido. Depois, o grupo anunciou o apoio a Tancredo. Esse racha resultou em um novo partido, o PFL (Partido da Frente Liberal). Sarney representou o grupo como candidato a vice-presidente, mas teve de se filiar ao PMDB porque a chapa não poderia ter pessoas de partidos diferentes. Está até hoje na mesma legenda, que agora se chama MDB.

Tancredo Neves venceu a disputa contra Maluf na eleição indireta em 15 de janeiro de 1985. 

IMPASSE NA POSSE DE SARNEY

Na véspera de tomar posse como presidente, em 14 de março de 1985, Tancredo teve uma infecção no intestino e precisou ser internado no Hospital de Base, em Brasília. O Brasil passou por momentos de tensão. Figueiredo emitiu recados de que não daria posse a um sucessor que não fosse Tancredo Neves. Chefes militares se movimentaram durante a madrugada de 15 de março de 1985. Por volta das 3h da manhã, Sarney foi informado que ele seria empossado e ficaria como presidente interino enquanto Tancredo estivesse internado.

O político mineiro veio a morrer em 21 de abril de 1985. Assim, Sarney ficou no cargo de presidente da República de forma definitiva.

A 1ª eleição presidencial direta foi realizada 4 anos depois, em 15 de novembro de 1989 (essas disputas naquela época eram sempre na efeméride da Proclamação da República). Fernando Collor de Mello (PRN) venceu Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no 2º turno. A eleição foi 1 ano depois de o Congresso ter promulgado a nova Constituição do país, que assegurou uma série de direitos eleitorais. 

Houve 9 eleições presidenciais diretas para presidente de 1989 a 2022, como mostra o infográfico abaixo:

Infográfico sobre o histórico de eleições no Brasil

Desde 1994, o Brasil passou a ter eleições a cada 2 anos –sempre em anos pares. Em 1994, foram eleitos o presidente, governadores, deputados federais, distritais, estaduais e senadores. Em 1996, outro ano par, houve disputas para prefeitos e vereadores em todo o país. E essa alternância segue existindo.

A eleição da chapa Tancredo-Sarney teve a influência do movimento Diretas Já. O país assistiu a uma série de atos em 1983 e em 1984, com centenas de milhares de pessoas nas ruas para pedir a volta das eleições diretas no Brasil. Tramitava no Congresso uma PEC (proposta de emenda constitucional) do então deputado Dante de Oliveira (1952-2006), do PMDB de Mato Grosso. O texto acabou sendo rejeitado em abril de 1984, o que causou grande frustração em parte do eleitorado. 

Mesmo com esse revés, o movimento acabou tendo peso na eleição indireta de Tancredo e Sarney. A escolha do presidente naquela época era no Colégio Eleitoral, composto por deputados federais, senadores e delegados eleitos nas Assembleias Legislativas dos estados. Tancredo teve 480 votos contra 180 votos dados a Paulo Maluf. Houve também 26 abstenções.

Em 1986, houve eleição para a escolha de 487 deputados federais e 49 senadores, que se uniriam a outros 23 senadores eleitos em 1982. Esses congressistas foram eleitos para exercer duas funções: 1) continuar a analisar e votar projetos de lei, aprovar o Orçamento e outras atribuições naturais do Legislativo e 2) escrever uma nova Constituição para substituir o texto que havia sido feito em 1967, durante a ditadura militar.

Embora o Congresso, políticos e até alguns livros didáticos tratem como Assembleia Constituinte o grupo de deputados e senadores de 1986 (cuja posse foi em 1987), essa definição é imprecisa. 

Uma assembleia constituinte em geral é eleita com a finalidade exclusiva de redigir uma Constituição. Quase sempre, depois do trabalho realizado, é dissolvida. A ideia é que os constituintes fiquem mais infensos a influências do dia a dia da política e só se ocupem com a redação da nova Constituição. Não foi o que aconteceu no Brasil em 1987 e 1988. Os deputados e senadores continuaram a ter funções de legisladores como sempre, ao mesmo tempo em que se dedicavam a escrever uma nova Carta para o país. Depois de o texto ter sido promulgado, continuaram com seus mandatos normalmente.

CONGRESSO CONSTITUINTE

O Poder360 se refere ao Poder Legislativo eleito em 1986 como Congresso constituinte. Tratava-se, afinal, de um Congresso com poderes constituintes –algo diverso de uma assembleia constituinte exclusiva.

A Constituição de 1988 foi promulgada em 5 de outubro daquele ano. Ao apresentá-la numa sessão solene do Congresso constituinte, Ulysses Guimarães (1916-1992) proferiu o discurso que ficou conhecido por esta frase: “Temos ódio e nojo à ditadura”.

Durante o período democrático, predominaram no poder políticos de grupos opositores ao regime militar. Foi o caso dos presidentes Itamar Franco (PRN), Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) –que governou por cerca de 2 anos depois do impeachment da petista. Sarney, embora tivesse apoiado o regime militar, foi eleito com o apoio da oposição e sempre foi um político moderado, dentro do partido de apoio aos militares.

Em 2018, entretanto, foi eleito presidente o capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro (então no PSL; hoje no PL). Ele disse em 2022 que a ditadura militar “foi um momento de progresso” do país.

MULTIPARTIDARISMO

Em 1965, com a publicação do AI (Ato Institucional) nº 2, os partidos políticos que existiam à época foram extintos e seus registros, cassados.  O Brasil estava começando a ter agremiações partidárias de caráter nacional –algo que começou com a Lei Agamenon, o decreto-lei nº 7.586, proposta pelo político pernambucano Agamenon Magalhães (1893-1952). Antes desse diploma legal, o país era dominado por siglas políticas de presença regional.

A Lei Agamenon durou só de 1945 a 1966. Os partidos políticos nacionais começavam a se firmar e a formar novos líderes. Os generais à frente da ditadura militar não gostavam da proliferação de siglas e entenderam ser necessário replicar no Brasil um modelo em que houvesse só duas legendas: uma governista e outra de oposição (no caso, oposição consentida).

As exigências do AI-2 para organização partidária resultaram então nestes 2 partidos:

  • Arena (Aliança Renovadora Nacional) – de apoio à ditadura militar;
  • MDB (Movimento Democrático Brasileiro) – de oposição consentida.

Muitos políticos tiveram seus mandatos cassados durante a ditadura. Era proibido organizar siglas que defendessem determinadas ideologias consideras impróprias pelos militares –comunismo, socialismo e outras propostas de esquerda ficaram banidas e classificadas como ilegais no Brasil.

Esse sistema vigorou até 1979, quando foi publicada a lei nº 6.767, que abriu brechas para que mais partidos surgissem, mesmo que de forma ainda tímida e aos poucos. A ideia à época era dar um ar mais democrático ao regime e diminuir resistências, num período de abertura política.

PARTIDOS DE EGRESSOS DO MDB

Com essa legislação, a Arena se transformou no PDS (Partido Democrático Social), que continuou apoiando o governo. O MDB virou PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) e seus egressos deram origens a novas siglas, como o PTB, o PDT e o PT.

O MDB estava mais forte a cada eleição na década de 1970. Com a volta do pluripartidarismo, os militares determinaram que as duas legendas existentes mudassem de nome e que cada agremiação começasse com a palavra “partido”. Era uma tentativa de fazer o MDB perder sua marca. Só que a oposição decidiu só acrescentar a letra “p” a MDB e assim nasceu o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro).

 

Desde o fim da ditadura, dezenas de siglas surgiram. Em 2018, 30 partidos conseguiram eleger pelo menos 1 deputado na Câmara, patamar recorde. Em 2022, esse número caiu para 23 –deixando o Congresso mais funcional.

O infográfico a seguir mostra a representação de partidos na Câmara (algumas legendas que se fundiram ou foram incorporadas estão juntas para facilitar a leitura):

Infográfico com dados sobre histórico de partidos no Congresso

Agora, um infográfico sobre a representação de partidos no Senado (algumas legendas que se fundiram ou foram incorporadas estão juntas para facilitar a leitura):

Infográfico com dados sobre histórico de partidos no Congresso

Em 2006, o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou inconstitucional uma norma que estava na lei 9.096, de 1995. Havia dado uma década de prazo para as legendas se prepararem para cumprir uma cláusula de desempenho.

A determinação principal era para que os partidos buscassem atingir, pelo menos, 5% dos votos válidos para deputado federal em todo o país na eleição de 2006. As siglas que não cumprissem a cláusula ficariam sem direito a pleno funcionamento no Congresso (não poderiam ter um líder e estrutura de Liderança) e teriam acesso bem limitado ao Fundo Partidário e ao tempo de rádio e TV para fazer propaganda.

Se essa norma tivesse vigorado, o Brasil teria saído da eleição de 2006 com apenas 7 partidos com força de atuação no Congresso. 

Muito pressionado por partidos nanicos de esquerda (como o PC do B e o PCB), mas também com o apoio firme do PT, o Supremo Tribunal Federal decidiu de maneira unânime, por 10 a 0, que a lei da cláusula de desempenho era inconstitucional. Só o então ministro Joaquim Barbosa não participou da sessão.

Saiba mais sobre essa decisão de 2006 do STF nesta reportagem do Poder360Brasil teria só 7 partidos fortes se STF tivesse mantido cláusula em 2006.

Muitos ministros que à época votaram para derrubar a cláusula de desempenho depois, de maneira reservada, reconheceram que a decisão foi um equívoco. Na reportagem do Poder360 é possível assistir ao vídeo dos votos de todos os magistrados.

REGRA EVITAVA EXCLUSÃO

Para a ministra Cármen Lúcia, a cláusula de desempenho era uma “cláusula de exclusão”. Esse era um equívoco que os magistrados e muitos políticos contra a regra propagavam. Não se tratava de uma cláusula de barreira (como há na Alemanha), que impediria a posse de algum político.

Na realidade, ninguém seria excluído de ter deputados eleitos e tomando posse –só que esses congressistas de legendas nanicas ficariam impedidos de atuar como os de agremiações maiores e com mais votos. Por exemplo, só deputados de partidos com mais de 5% dos votos no país poderiam interromper sessões para apresentar questões de ordem. O Legislativo teria ficado mais funcional, mas o STF acabou impedindo que isso acontecesse em 2006.

Muitos anos depois, em 2017, o Congresso voltou a aprovar uma norma que criou outra cláusula de desempenho. Para tentar contornar a resistência do STF, os deputados e senadores decidiram aprovar uma proposta de emenda à Constituição. A regra com a cláusula acabou também com a possibilidade de partidos se coligarem para disputas de cargos nos quais a eleição é feita de forma proporcional (deputados federais, distritais, estaduais e vereadores).

A emenda constitucional nº 97, promulgada em 4 de outubro de 2017, está em vigor até hoje. Criou a cláusula de desempenho de maneira gradual, a partir de 2018. Só em 2030 a norma entrará em vigor pleno, exigindo que cada partido tenha, pelo menos, 3% dos votos para deputado federal em todo o Brasil e, também pelo menos, 2% dos votos em ao menos 9 Estados (ou em 8 Estados e no Distrito Federal). O infográfico a seguir explica a norma:

Claúsula de desempenho dos partidos

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