O ovo e o Ovo, uma fábula brasileira

“Não se faz uma omelete sem quebrar os ovos.” Durante muito tempo, essa frase foi erroneamente atribuída a Josef Stálin, mas, na verdade, sua autoria pertence à escritora Nadezhda Mandelstam, viúva do maior poeta russo do século XX, Ossip Mandelstam, que morreu no Gulag por ter escrito um poema satírico contra o ditador comunista. 

Em seu livro de memórias, Nadezhda denuncia o horror do sistema soviético, cujas principais bases eram a mentira, a censura, a delação e o terror. 

“Quebrar os ovos”, quando falamos em socialismo, significa perseguir e destruir as pessoas — e Nadezhda sabia muito bem disso. Após enviar Ossip Mandelstam para a morte, Stálin tentou destruir a sua obra, mas a admirável viúva do poeta não o permitiu. Juntamente com sua amiga Anna Akhmátova — também uma grande poetisa —, Nadezhda memorizou as poesias de Ossip, guardando-as para a eternidade.

A esquerda não quebra ovos, ela destrói vidas. Qualquer pessoa que estudou minimamente a guerra cultural em que estamos mergulhados sabe que não se faz acordo com petista, porque o acordo será usado contra você. 

Na crônica anterior, apontei o vacilo de alguns vereadores de minha cidade que insistiram em votar com a esquerda em relação ao projeto de lei sobre o vilipêndio à fé cristã. Soube que um vereador — político com quem frequentemente concordei e pelo qual tenho simpatia — usou a tribuna da Câmara para fazer uma “moção de repúdio” contra minha pessoa. 

Em 33 anos de jornalismo, apanhei muito, de todos os lados, por conta do que escrevi. Inúmeras vezes pediram minha cabeça. Consta que há alguns anos uns militantes até queimaram um boneco de papel que me representava em efígie. Mas confesso que “moção de repúdio” é a primeira vez. Sério mesmo que vocês ficaram tão chateados com uma simples crítica? Palavras machucam?

É preciso lembrar às pessoas que vivemos no país do Ovo. Não me refiro ao ovo da galinha, aquele que teve alta de 67,1% só neste ano e se tornou praticamente um artigo de luxo; estou falando do Ovo ministerial, do Imperador Calvo, do homem que se pretende governante supremo do país, mas, quando vai discursar, usa o vocabulário, os clichês e os preconceitos de um presidente do DCE: “combate ao fascismo”, “misoginia”, “discurso de ódio”, “homem branco héteros com mais de 45 anos”, “tiozão do churrasco” e assim por diante.

‘Nos últimos seis anos, o Ovo tem se dedicado a fazer uma imensa omelete — uma omelete composta dos restos mortais da lei, da justiça, da verdade e da sanidade brasileira’

Nada que o Ovo faz me choca mais. Ele já perseguiu e prendeu milhares de inocentes, já rasgou e queimou a Constituição de todas as maneiras imagináveis, já tirou os meios de sobrevivência de seus inimigos políticos, já perseguiu familiares de suas vítimas, já fechou jornal, já emitiu ordens de censura mundiais e já obrigou o Itamaraty a emitir nota em sua defesa. 

Também já manteve um desafeto político por seis meses na prisão, mesmo sabendo de sua inocência, já transformou a vida de uma família em um inferno por causa de um bate-boca e já perseguiu sócios de um clube que falaram mal dele na mesa de bar. Ele sente-se livre para desafiar simultaneamente o homem mais poderoso e o homem mais rico do mundo, e está prestes a mandar para cadeia – com base numa peça de ficção literariamente porca e juridicamente nula – um ex-presidente da República e outras 33 pessoas, inclusive o desafeto inocente que ele encarcerou por seis meses sabendo que o motivo de sua prisão era uma farsa.

Mas, além do Ovo, há o ovo. Se o Ovo é o símbolo maior do descalabro político brasileiro, o ovo representa o nosso horror econômico. E, como o PT está no governo, até o ovo não poderia ficar sem escândalo.

O Ministério da Agricultura lulista publicou uma portaria para tornar obrigatório o carimbo com data de validade nos ovos vendidos a granel. Com isso, pequenos e médios produtores seriam obrigados a adquirir um equipamento caríssimo para carimbar ovos. No entanto, após pressão popular, na última sexta-feira (28), o governo recuou e a medida foi revogada.

Nossas mães, avós e bisavós sempre foram peritas em escolher ovos de galinha frescos — lembro-me da minha amada Vó Maria fazendo isso na quitanda da Barra Funda —, mas o PT quis se intrometer na data de validade em prol da “segurança alimentar”. 

E quem deve ter ficado feliz com a ideia inicial? Os irmãos Batista — aqueles da garagem do Temer, lembram? No último dia 25 de janeiro, a JBS adquiriu 50% da Mantiqueira Alimentos, maior produtora de ovos da América Latina, que já tem uma gigantesca máquina para carimbar milhares de ovos por dia, se necessário. Quem sairia prejudicado com essa porcaria, digo, portaria: a JBS ou o pequeno granjeiro?

É por isso que eu digo, meus sete amigos leitores: com gente que apoia o regime do Ovo, não se faz acordo. Ou estaremos todos fritos.  

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