Ao menos 30 elétricos da BYD estão emprestados para os Três Poderes

A empresa chinesa BYD, que avança com obras da sua 1ª fábrica no Brasil, também passou a firmar contratos em que “empresta” carros elétricos para serem usados pela Presidência, pela Câmara, por ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e do TCU (Tribunal de Contas da União).

“Com o ingresso de modelos elétricos no mercado brasileiro, o comodato não oneroso vem sendo celebrado por órgãos da administração pública interessados em conhecer e testar o desempenho de tais veículos. Ao STF, foram cedidos 20 carros elétricos”, disse a assessoria do STJ ao Poder360.

O empréstimo é feito pelo regime de comodato, uma modalidade de contrato em que um bem é cedido sem ônus para quem o recebe. Os órgãos públicos utilizarão os veículos como uma forma de testar as novas tecnologias e promover a marca. Foram abertos chamamentos públicos para as parcerias “não onerosas”. Ou seja, nenhuma das entidades está gastando para receber os carros.

No total, as concessões aos Três Poderes foram:

  • STJ – 20 carros (cerca de R$ 6 milhões);
  • TCU – 9 carros; (cerca de R$ 2,7 milhões);
  • Presidência da República – 1 carro (R$ 449.990);
  • Câmara – 1 carro (R$ 449.990).

Para o advogado e articulista do Poder360, André Marsiglia, os empréstimos, que coincidem com a chegada da fabricante ao Brasil, são “irregulares”, uma vez que podem “criar uma atmosfera de que os órgãos devem algum favor à companhia chinesa”.

“Mesmo com o chamamento público, entendo se tratar de uma relação jurídica irregular, o comodato (empréstimo sem custo) acaba sendo uma espécie de presente disfarçado e cria uma atmosfera de que o Estado deve favor à empresa”, afirmou.

O advogado afirmou que a lei 12.813 de 2013, o decreto nº 10.889 de 2021 e o código de ética da magistratura, em seu artigo 17, impedem o recebimento de presentes por agentes e órgãos públicos. Disse que a medida serve exatamente para não constranger os agentes ao darem decisões que possam contrariar os interesses de quem os presenteou.

Dezenas de montadoras de carros atuam no mercado brasileiro. Se todas desejassem ceder automóveis para tribunais superiores, Congresso e Poder Executivo no mesmo volume da chinesa BYD, possivelmente não haveria como acomodar tantos veículos dentro de órgãos públicos.

TRIBUNAIS

O STJ e o TCU foram os órgãos que mais receberam carros elétricos. Esses tribunais receberam respectivamente 20 e 9 veículos.

O modelo cedido é um dos mais caros da BYD, o Seal, avaliado em R$ 299.800 cada um. Ou seja, cerca de R$ 6 milhões em automóveis foram emprestados ao Superior Tribunal de Justiça, enquanto outros cerca de R$ 2,7 milhões serão usados pelo TCU.

O contrato firmado com o STJ estipula o uso dos carros por 2 anos, sem possibilidade de prorrogação, conforme o contrato. Já ao TCU, o contrato firmado em fevereiro de 2024 tem duração de 2 anos e meio, mas permite que qualquer uma das partes renuncie.

Inicialmente, a proposta fixava a concessão de 2 carros nos modelos Sedan e SUV da BYD ao TCU, que pedia 32 em seu edital. Os modelos custam cerca de R$ 100 mil a menos do que o modelo de alto padrão, Seal. Eis a íntegra da proposta da BYD (PDF – 1 MB) e do edital (PDF – 193 kB).

Foram adicionados, contudo, mais 7 carros Seal ao contrato, segundo o termo aditivo (PDF – 448 KB) assinado pela BYD e pelo TCU em agosto de 2024.

“O TCU recebeu, em sistema de comodato, 9 carros da marca BYD, modelo Seal, para uso da Casa, não restrito unicamente aos ministros”, disse a corte de contas ao Poder360.

No caso do STJ, os carros ainda não foram entregues, mas a previsão é que a entrega seja feita neste mês de fevereiro de 2025.

O Tribunal com 33 ministros na sua composição costuma seguir uma lógica de antiguidade nesses casos, portanto, os veículos devem ser distribuídos aos magistrados que estão há mais tempo na Corte, conforme apuração do Poder360. Contudo, um ministro pode não querer trocar um carro movido a combustível pelo modelo elétrico, o que mudaria essa distribuição.

O portal de licitações do STF (Supremo Tribunal Federal) não tem registros de contratos firmados com a montadora.

EXECUTIVO E LEGISLATIVO

À Presidência da República, a chinesa BYD emprestou por 1 ano o modelo Tan, no valor declarado de R$ 449.990 em janeiro de 2024. O valor de mercado, no entanto, é maior. O modelo de 2024 é encontrado a partir de R$ 529.890.

O carro ficou à disposição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e da primeira-dama Janja Lula da Silva. Passou a integrar o comboio oficial da Presidência e foi dirigido por Janja várias vezes.

Assista (1min 14s):

Na ocasião, Lula recebeu representantes da empresa chinesa no Palácio da Alvorada para tratar da abertura da 1ª fábrica da montadora fora da Ásia, em Camaçari, na Bahia.

O contrato de comodato foi renovado em 22 de janeiro de 2025 por mais 1 ano. Eis a íntegra do termo de renovação (PDF – 94 kB).

A Câmara tem um contrato vigente de comodato com a BYD com validade até 19 de março de 2025. O acordo fixa a concessão de 1 veículo do modelo Tan, de R$ 449.990, para uso da Casa. Eis a íntegra do termo de comodato (PDF – 563 kB).

O Poder360 entrou em contato com a Câmara dos Deputados para saber se há previsão de renovação de contrato. Não houve resposta até a publicação desta reportagem. O texto será atualizado se uma manifestação for enviada a este jornal digital.

O portal de licitações do Senado Federal não tem registros de contratos firmados com a montadora.

BYD NO BRASIL

A companhia chinesa diz pretender iniciar a produção de seus carros elétricos no Brasil ainda em 2025. A montadora divulgou ter investido cerca de R$ 3 bilhões na fábrica que será inaugurada na Bahia. O espaço foi negociado com os governos Estadual e federal. O local no passado foi ocupado parcialmente por uma fábrica da norte-americana Ford, que desistiu de atuar no Brasil em 2021 e saiu do país.

As obras da BYD na Bahia foram alvo de acusações de trabalho análogo à escravidão. Em 16 de janeiro, o MPT (Ministério Público do Trabalho) e a PF (Polícia Federal) resgataram 163 trabalhadores chineses em condições análogas à escravidão no canteiro de obras da futura fábrica em Camaçari.

Segundo o MPT, os operários estavam em condições precárias, dormindo em camas sem colchões e com um banheiro para cada 31 pessoas.

A montadora havia contratado uma empreiteira chinesa, a Jinjiang, para tocar as obras. Depois da ação do Ministério Público do Trabalho, essa empresa foi substituída por uma prestadora de serviços brasileira, que deverá finalizar o projeto e realizar os ajustes pedidos pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) para liberar as áreas embargadas.

A BYD ficou responsável por apresentar providências em audiência virtual marcada para 26 de janeiro e regularizar a situação dos trabalhadores. Segundo a montadora, o cronograma de obras não será alterado por causa da ação do MPT.

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