Entenda o protocolo entre Ambipar e Ministério do Povos Indígenas

A multinacional brasileira Ambipar e o Ministério dos Povos Indígenas anunciaram em 24 de janeiro, logo depois do Fórum de Davos, na Suíça, um protocolo de colaboração para que a empresa atue em casos de emergências climáticas e também possa empreender ações de sustentabilidade.

A atuação da empresa privada será em uma área de aproximadamente 1 milhão de metros quadrados de terras indígenas, equivalente a 14% do território do país. O texto foi firmado pelo presidente da Ambipar, Tercio Borlenghi Jr., pelo secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, Eloy Terena, e pela advogada Marina Blattner.

Esse protocolo, entretanto, até esta 5ª feira (6.fev.2025) ainda não havia sido publicado no Diário Oficial da União. Por essa razão, até o momento, o contrato não está implantado. A Ambipar divulgou um comunicado em 24 de janeiro de 2025 por meio da PR Newswire (empresa especializada em relações públicas), em inglês (leia a íntegra – PDF – 93 kB).

No seu comunicado, a Ambipar explica: “A parceria […] faz parte da estratégia do Ministério dos Povos Indígenas de incluir o setor privado na responsabilização global pela preservação das terras indígenas, abrange iniciativas que incluem suporte técnico para capacitação em prevenção e resposta a eventos extremos, desastres e combate a incêndios, reflorestamento de áreas desmatadas, desenvolvimento de projetos de bioeconomia, conservação e educação ambiental, além da promoção da economia circular e da gestão eficiente de resíduos sólidos. A iniciativa atingirá aproximadamente 1 milhão de quilômetros quadrados de territórios indígenas –quase 14% do território brasileiro e o equivalente às áreas somadas da França e da Inglaterra”.

Depois do anúncio houve dúvidas sobre o quanto o acordo representaria em valores e até que ponto uma empresa privada estaria controlando o território nacional. Até agora, o texto integral do protocolo não foi divulgado.

O Poder360 procurou a Ambipar e recebeu as seguintes informações sobre o protocolo:

  • não haverá transferência de recursos entre as partes envolvidas;
  • não haverá concessão das terras para administração por parte da Ambipar.

O protocolo assinado entre Ambipar e MPI, segundo a multinacional, fala em “desenvolver projetos para conservação e recuperação ambiental”, “oferecer suporte técnico às comunidades originárias, com vistas à prevenção e resposta a eventos climáticos extremos” e “promover a economia circular e o gerenciamento de resíduos ambientais”.

Apesar dos esclarecimentos, políticos e grupos de oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) passaram a sustentar que o protocolo entre a Ambipar e o Ministério dos Povos Indígenas representaria uma perda de soberania e uma espécie de privatização de 14% do território nacional.

O deputado federal Tenente Coronel Zucco (PL-RS, que havia sido eleito pelo Republicanos em 2022), líder da oposição na Câmara, enviou um requerimento de informações para Ministério dos Povos Indígenas , endereçado à ministra Sônia Guajajara (Psol), pois tem dúvidas sobre o efeito do protocolo assinado com a Ambipar.

Segundo a Ambipar, os termos do protocolo não dão sustentação a dúvidas sobre perda de autonomia do território nem sobre ingerência da empresa nessas terras que serão monitoradas em casos de eventos climáticos extremos. Também é importante registrar que o protocolo ainda não foi publicado no Diário Oficial da União. Neste momento, está em análise na Casa Civil da Presidência da República.

O Ministério dos Povos Indígenas publicou uma nota sobre o assunto em 26 de janeiro de 2025 (íntegra – PDF – 185 kB): “Fake News sobre parceria firmada pelo Ministério dos Povos Indígenas”. No texto, diz que “a informação que circula sobre a transferência da gestão dos territórios indígenas ao setor privado pelo Ministério dos Povos Indígenas, além de falsa, não tem qualquer respaldo jurídico”.

Em 27 de janeiro de 2025, a Agência Brasil, veículo de comunicação oficial do governo federal, também publicou um texto (íntegra – PDF – 315 kB) a respeito desse caso: “Governo Federal não transfere gestão de terras indígenas para iniciativa privada”.

Os 2 primeiros parágrafos do texto da Agência Brasil são estes: 

“Não é verdade que o Governo Federal, por meio do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), tenha transferido a gestão de terras indígenas para a iniciativa privada. A Constituição Federal determina que as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas são imprescritíveis.

“O acordo firmado pelo MPI com a empresa Ambipar durante o Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, trata de um compromisso preliminar estabelecido por meio de um Protocolo de Intenções. Esse instrumento, amplamente utilizado na gestão pública, não implica transferência de verbas públicas ou de responsabilidades do Estado. Diferentemente do que peças de desinformação propagam, o acordo não configura concessão de terras indígenas, não dependendo de licitação ou concorrência para tal”.

Ao citar a Constituição, o texto da Agência Brasil faz referência ao artigo 231 da Carta, em seus artigos 4º e 6º:

“§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos

“§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar”.

O portal de notícia G1, do Grupo Globo, procurou a Apib (Articulação de Povos Indígenas) para falar sobre o assunto. Segundo o G1, o coordenador executivo da organização, Kleber Karipuna, disse ter recebido informações sobre o protocolo assinado entre o MPI e a Ambipar. Eis o que disse Karipuna:

“A informação que o ministério nos passou é justamente de um protocolo de intenções, e ainda precisa de muitos esclarecimentos sobre como vai se implementar na prática um plano de trabalho. Vamos continuar acompanhando para garantir que os direitos territoriais dos indígenas continuem sob a responsabilidade dos próprios povos que lá vivem”.

A Ambipar sustenta que os termos do protocolo serão “exclusivamente no contexto de cooperação técnica, respeitando integralmente a legislação vigente e o direito ao consentimento livre, prévio e informado das comunidades envolvidas, em conformidade com a Convenção n° 169 da OIT”. Diz também que “qualquer atuação depende exclusivamente da aprovação dos povos indígenas, e caso nenhuma comunidade aceite a implementação de ações derivadas do protocolo, ele perderia automaticamente seu objeto [o propósito]”.

Sobre os custos da operação, a Ambipar informou ao G1 que o protocolo assinado representa o início do diálogo e que futuros passos da parceria ainda serão discutidos com o MPI.

O fato de não ter havido licitação para buscar outros possíveis interessados em prestar o mesmo serviço, esse tipo de exigência não se aplica quando se trata apenas de um protocolo de intenções. Nas fases seguintes –e se o protocolo vier a ser de fato implementado– pode vir a ser necessário abrir uma concorrência pública para alguns serviços específicos.

A rádio Yandê, que se apresenta como “a primeira empresa de comunicação indígena online e web radio indígena”, publicou um texto em 25 de janeiro de 2025 em que afirma ser “falsa a alegação de que o Ministério dos Povos Indígenas entregou a gestão das terras indígenas à Ambipar”.

Ainda assim, no seu texto, a rádio Yandê fala de maneira crítica sobre a falta de uma consulta prévia aos povos indígenas que serão eventualmente impactados pelo acordo. “A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 2002, é um dos instrumentos mais importantes para a proteção dos direitos dos povos indígenas e tribais. Ela estabelece, entre outras coisas, que qualquer decisão ou ação que possa impactar os territórios, os recursos naturais ou a vida dos povos indígenas deve ser precedida por uma consulta prévia, livre e informada […] Essa omissão é preocupante, pois as ações propostas, ainda que tenham objetivos positivos, podem impactar diretamente os modos de vida, os territórios e as culturas das comunidades indígenas.

Ocorre que, na realidade, essa consulta será feita só quando e se o protocolo de intenções vier a ser implementado. Aí sim as comunidades indígenas dirão se desejam ou não a oferta desses serviços.

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