CONTO III – O SILÊNCIO DE ALMA ARDENTE

Uma história interessante que vale a pena ler

Ela era chamada Leila, uma mulher cigana de olhos escuros e coração ardente, cujas palavras se perdiam nas brisas mornas do deserto. Seu sorriso refletia a luz do sol, e sua risada ecoava como a melodia de um tambor distante, ressoando em todas as esquinas da vida. No pulsar de seu ser, carregava a alegria que só a juventude pode oferecer, e sua dança era a expressão pura de uma alma que se conhecia por inteiro. Sua beleza não era feita de adornos, mas de sua essência vibrante, que tocava todos ao seu redor.

Leila não compreendia completamente a inquietude que o amor despertava em sua alma. Ela o sentia em seu corpo, nas batidas rápidas de seu coração, nos suspiros e olhares que trocava, mas não sabia o que era. Ela se entregava ao amor como quem entrega um rio ao mar, sem perguntas, sem medo, mas também sem saber os contornos desse vasto oceano de sentimentos. Quando menina, seus olhos buscavam nos contos que escutava ao redor da fogueira respostas para as dúvidas que germinavam em seu peito. Os contos dos antigos ciganos, com seus amores perdidos e reencontrados, lhe davam uma sensação de entendimento, mas logo ela compreendeu que sua história não seria escrita nas páginas dessas lendas.

Ainda jovem, seus pais a prometeram a um homem de seu próprio povo. O casamento foi um acordo, não nascido de desejos apaixonados, mas de compromissos e alianças que transcendem os corações. Quando o momento chegou, Leila não chorou, pois sabia que sua vida seria cumprida como uma melodia que seguia seu ritmo sem desviar. O homem escolhido para ser seu marido era bom, respeitado, e fiel às tradições, mas não era o homem que ela sonhava quando fechava os olhos à noite. E, mesmo assim, ela sorriu, pois, como uma cigana, ela se entregava à vida como ela vinha.

A juventude era seu alicerce, a beleza de sua juventude. Ela a usava como quem segura uma tocha acesa em um campo aberto, iluminando tudo à sua volta, sem medo do que viria. Ela não questionava o amanhã, pois o amanhã ainda não existia. Seu amor, sua entrega, era vivido no presente, e cada toque, cada olhar, cada sorriso transmitia o calor de sua alma, uma alma que, ao se entregar ao amor, entregava também toda a sua juventude.

Mas o tempo, esse velho companheiro que tudo observa e tudo observa, não tardou em chegar. Um dia, Leila acordou e percebeu, com um toque silencioso de compreensão, que seu corpo já não refletia a mesma vitalidade de outrora. Seus passos, que antes eram leves como o vento, agora estavam mais pesados. Seus cabelos, uma vez negros como a noite, estavam começando a suavizar com fios de prata. E o olhar, que sempre buscava no horizonte a promessa de novos amores, agora parecia mais introspectivo, como quem olha para o próprio reflexo em águas profundas.

Ela sentiu um desconforto no peito, uma sensação de descompasso entre sua alma e o corpo que carregava. Como poderia a juventude, que sempre fora sua companheira fiel, agora ser um peso que a separava de sua essência? Ela se perguntava: O que é o amor, se não uma chama que consome e se apaga, como a vela que se apaga ao vento? O que é a juventude, se não uma fase transitória, como a estação das flores que logo cede lugar ao outono?

Aos poucos, Leila foi se afastando da vida que conhecia, observando com pesar a mulher que havia sido e a mulher que se tornava. O peso de suas dúvidas começou a pesar sobre sua mente pura, sua alma inquieta. As perguntas, que antes eram simples e claras, agora pareciam desordenadas e confusas. Ela questionava o amor que transmitira, a vida que havia vivido, a essência do corpo e da alma. E, em sua mente, tudo parecia em conflito. Como poderia ela encontrar a resposta para suas dúvidas, se o tempo já havia se levado sua juventude e sua energia?

Em uma noite silenciosa, como se o universo soubesse que o momento havia chegado, Leila fez o que parecia ser o único gesto possível. Sem despedidas, sem palavras, ela se afastou. O mundo, tão cheio de sombras e luzes, parecia ser um campo estranho a ela, e ela já não queria mais lutar para entender os enigmas que o amor, o corpo e a alma apresentavam. Ela partiu, sem direção, sem destino, apenas com a esperança de que, ao se desprender do mundo que conhecia, encontraria a chave para o inexplicável. Ela se entregou ao infinito, como uma folha que se solta da árvore sem olhar para trás.

Leila não sabia o que buscava. Talvez uma resposta para as torturas de sua alma, ou talvez o silêncio que sua mente pura e inquieta necessitava. Em seu último suspiro, ela não sabia se havia encontrado a verdade ou se a estava apenas buscando. Mas ela se foi, e o vento que a levou não deixou vestígios de sua partida, como se sua vida tivesse sido uma melodia breve, que se dissolveu no silêncio da noite.

E ali, no fundo das suas dúvidas, Leila descansou. Como uma cigana, ela havia viajado por um caminho que não entendia, mas que aceitou com a pureza de sua alma, na tola esperança de que o inexplicável revelaria, um dia, o segredo do que realmente é o amor, o corpo, a alma. E talvez, no final, o que ela descobriu, no silêncio de sua partida, é que a busca nunca termina; ela é eterna, como a dança das estrelas no céu.

Por Virgilio Galvão

De Brasília

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