DECISÃO HISTÓRICA: O JUIZ COUGHENOUR E A CIDADANIA DAS CRIANÇAS NASCIDAS EM SOLO AMERICANO

O juiz Coughenour, ao classificar o decreto como “descaradamente inconstitucional”, reafirmou o compromisso da Justiça com os princípios democráticos e os direitos fundamentais consagrados na Constituição

A recente tentativa de Donald Trump de limitar o direito à cidadania automática para crianças nascidas nos Estados Unidos, por meio de uma ordem executiva, representa um ataque direto à Constituição norte-americana e aos valores que fundamentam a democracia daquele país. A decisão do juiz federal John Coughenour, que bloqueou essa medida, não é apenas um gesto de resistência judicial, mas também um marco na defesa dos direitos humanos e das garantias constitucionais.

O princípio do jus soli (direito de solo) está consagrado na 14ª Emenda da Constituição dos EUA, promulgada em 1868, que afirma: “Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à sua jurisdição, são cidadãs dos Estados Unidos e do Estado em que residem”. Esse dispositivo histórico, criado no contexto pós-Guerra Civil (A chamada Guerra de Secessão – 1861/1865 – foi um conflito entre o Norte e o Sul dos Estados Unidos), que buscava garantir a igualdade de direitos e inclusão para ex-escravizados e seus descendentes. Ao reafirmar esse direito fundamental, a emenda cristalizou valores universais de igualdade e dignidade humana – que agora estava sendo posta de lado pelo novo governo.

No entanto, a ordem executiva proposta por Trump tentava reinterpretar esse princípio, negando cidadania a crianças nascidas de imigrantes indocumentados. Como destacou o juiz Coughenour em sua decisão, “O decreto é descaradamente inconstitucional, uma tentativa de reescrever princípios fundamentais estabelecidos pela 14ª Emenda. Não cabe ao Executivo eliminar direitos assegurados pela Constituição”. Está sendo a 2ª derrota do presidente Trump em menos de uma semana de governo. A primeira foi a bispa Mariann Edgar Budee, da igreja anglicana, que lhe passou uma carraspana ao pedir que ele abrisse o coração empedernido e tivesse clemência para com as cidadãos filhos de imigrantes nascidas no país.

Casos recentes exemplificam a complexidade e os impactos das políticas migratórias nos Estados Unidos. Entre janeiro de 2021 e fevereiro de 2022, mais de 25 mil pessoas foram deportadas para o Haiti, incluindo 580 crianças nascidas no Brasil, filhas de pais haitianos. Essas crianças, apesar de serem brasileiras, foram enviadas a um país que desconheciam completamente, evidenciando o caráter traumático de políticas migratórias severas.

Além disso, a retórica de que o direito de cidadania por nascimento incentiva a emigração irregular é desmentida por estudos. Segundo o Institute on Taxation and Economic Policy (ITEP), “Não há evidências de que o direito de cidadania por nascimento seja um incentivo significativo para imigração irregular. Ao contrário, imigrantes, incluindo indocumentados, contribuem com US$ 11,74 bilhões em impostos estaduais e locais anualmente”. Essa realidade expõe o paradoxo das políticas restritivas: penalizam indivíduos que, em muitos casos, são pilares da economia americana.

Comparativamente, países como Canadá, França e Nova Zelândia adotam políticas mais inclusivas em relação à cidadania por nascimento. No Canadá, o princípio do jus soli é garantido, permitindo que qualquer criança nascida em seu território tenha direito à cidadania, independentemente do status de imigração dos pais. Na França, a cidadania é concedida a crianças nascidas no país de pais estrangeiros após um certo período de residência. Da mesma forma, a Nova Zelândia assegura que as crianças nascidas em seu território tenham direito à cidadania, reforçando uma abordagem que valoriza a inclusão e a dignidade humana.

O verdadeiro problema não está nas crianças que nascem em solo americano, mas na falta de políticas públicas eficazes que orientem as leis de imigração de forma justa e inclusiva. Especialistas reforçam que o jus soli é um pilar democrático essencial. Linda Bosniak, professora de Direito Constitucional na Universidade Rutgers, argumenta: “O princípio do jus soli é um pilar da democracia americana. Alterá-lo seria abrir um precedente perigoso para outros direitos constitucionais serem questionados com base em agendas políticas”.

O impacto humano das deportações também é evidente. Segundo o American Immigration Council: “Um número crescente de famílias está sendo separada, com pais deportados e crianças cidadãs americanas deixadas para trás. Isso é uma tragédia humanitária que poderia ser evitada com políticas mais compassivas”.

O juiz Coughenour, ao barrar o decreto, reafirmou que a Constituição não é uma ferramenta moldável para atender a interesses políticos de curto prazo. Sua decisão é um lembrete de que os direitos fundamentais existem para proteger os mais vulneráveis, e o direito de nascer livre é um deles.

Negar cidadania a crianças nascidas em solo americano não é apenas uma violação legal, mas um ataque à própria essência dos valores democráticos. O debate não é sobre imigração; é sobre justiça, dignidade e a escolha entre o medo e a inclusão.

Da redação

Folha do Estado SC

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