O outro lado da administração pública (VI)

Marcos Sá Corrreia. Revista Piauí. UOL.

 A aventura japonesa de um jornalista brasileiro

Esta história me foi contada pelo jornalista Marcos Sá Corrêa no tempo em que eu era deputado. Para lembrar: formado em História, inteligente como muito poucos, ele foi editor-chefe do Jornal do Brasil, editor das revistas Época e Veja, e cofundador    da revista Piauí junto com João Moreira Salles. É filho do jornalista Villas-Bôas Corrêa.

Marcos fora enviado a Tóquio para uma tarefa muito importante: entrevistar para a revista Veja o presidente do Banco de Tóquio, uma das maiores instituições financeiras do mundo. Tinha sido um parto de mula acertar a entrevista. Aquele japonês raramente recebia a imprensa. Mas, afinal, dado o prestígio da publicação e os interesses do banco no nosso país, foi marcado o dia e a hora do encontro, com uma rigorosa observação sobre a importância da pontualidade – a agenda do homem era muito apertada e ele só poderia dispor de quarenta minutos dentro de balizas temporais absolutamente precisas. 

Organizado como sempre foi, o brasileiro viajou para a capital do Japão com antecedência suficiente para adaptar-se, o melhor possível, à brutal diferença de fuso horário. E planejou minuciosamente a ida do hotel até o banco. Como é notória a confusão do tráfego em Tóquio, decidiu-se pelo metrô. 

A jornada pelas ruas rumo ao compromisso

Muniu-se de mapas e roteiros, descobriu qual era a estação mais próxima do banco e, ainda, por cautela, informou-se sobre algum ponto de referência. Disseram-lhe que, quase junto ao prédio do banco havia uma Mitsukoshi, a mais conhecida rede de grandes lojas do país. Tudo bem. Confiante e com boa antecedência, lá se foi para o histórico compromisso.

Desembarcou do trem na estação certa, mas, como em geral acontece nas grandes cidades, havia mais do que uma saída da estação para a rua. Com certa folga de tempo, tomou uma delas, saiu à rua, olhou em volta e, como não avistou o banco e nem a loja, resolveu pedir uma informação. 

O problema é que, no Japão, a grande maioria das pessoas do povo só fala japonês mesmo. E em geral são tímidas e reservadas. Marcos as abordava, perguntava pela Mitsukoshi, que deveria ser mais conhecida que o banco, mas cada um dos passantes seguia adiante, fazendo gestos de que não estava compreendendo. E assim o tempo foi passando, ele foi ficando nervoso. Até que finalmente um senhor parou e prestou atenção ao seu pedido de informação. Quando o japonês ouviu o nome da loja seu rosto se iluminou, pegou Marcos pelo braço e fez com que o acompanhasse.

A angústia da demora

O percurso, no entanto, parecia mais longo do que era de se esperar. O tempo estava se esgotando e o japonês ia em frente, animado, indicando o caminho. Marcos já estava preocupadíssimo, suando, temendo perder a hora, quando de repente o seu guia parou, abriu um sorriso e abriu os braços indicando um grande prédio em frente.

Marcos, espantado e aterrorizado porque não via o banco, gritou que aquela loja que o homem mostrava não era a Mitsukoshi, era a Matsukaia. E o japonês, com alegria e orgulho, respondeu – “Mitsukoshi very expensive (muito cara)Matsukaya much cheaper!” (muito mais barata!)

Epilogo

Nem é preciso dizer que o competente jornalista perdeu o horário e o compromisso que o fizera viajar ao outro lado do mundo. Tanto ele como a revista fizeram tudo que era possível para explicar a situação e se desculpar. A direção do banco que, naturalmente, não queria criar problema com uma publicação poderosa no Brasil e, por tabela, com seus milhares de leitores, todos potenciais clientes do estabelecimento, aceitou as explicações e até colocou, imediatamente, algum outro alto dirigente para falar com Marcos. Mas, o Presidente, este, bem à moda japonesa, não o recebeu. 

Próxima coluna

Dá para imaginar? No antigo Hotel Laje de Pedra, em Canela (RS), jogando sinuca com Millôr Fernandes e Luiz Fernando Veríssimo? 

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