CONTO Nº 1 – O ECO DA SAMAMBAIA

Um conto em três atos – todos os sábados

Em Inverness, uma pequena cidade com montanhas silenciosas e neblina constante, vivia Fergus MacLeod. Era um homem de prestígio, conhecido por sua sabedoria nas salas de aula e respeitado pelos estudantes que buscavam em suas palavras a clareza que a vida frequentemente escondia. Ele possuía uma mente afiada, capaz de navegar pelas mais complexas questões da existência humana, mas ainda assim, havia algo em seu coração que não podia compreender. A morte de sua mãe, Ailsa, foi o primeiro golpe profundo em sua vida, uma dor que ele não soubera como enfrentar, nem mesmo com todo o conhecimento que possuía.

Com a partida de Ailsa, Fergus viu-se perdido em um mar de desespero. Por um momento, sentiu que a vida não mais tinha direção. Foi nesse vazio que surgiu Isla, uma mulher de sorriso cativante e olhos brilhantes, como faróis que atraem a luz na escuridão. Ela parecia ser a resposta para suas perguntas sem respostas, o consolo que ele tanto buscava. Isla trouxe consigo uma filha, Eilidh, uma criança com olhos grandes e curiosos, cujo riso encheu a casa de uma alegria que há muito não existia.

Fergus, desejoso de amar novamente, acreditou que o amor por Isla e pela criança poderia curá-lo. Mas, como o vento que sussurra promessas e depois as leva embora, ele logo se viu aprisionado na teia de manipulações sutis que Isla tecia ao seu redor. O que começou como um desejo sincero de reconstruir sua vida, tornou-se uma carga de obrigações e sacrifícios que o foram consumindo pouco a pouco. Ele dava, sem medir, e ela tomava, sem hesitar. Em algum momento, Fergus perdeu a capacidade de distinguir o que era seu e o que não era, como se tivesse se tornado parte de um jogo que nunca soubera jogar.

Isla, com suas exigências e manipulações, minou sua confiança, e a criança, que antes parecia um símbolo de renascimento, passou a refletir as pressões que Isla impunha. Fergus, antes um homem de propósito, se viu tornando-se submisso, perdido em uma espiral de rendição. Ele entregava sua vida e seu trabalho sem questionar, sem perceber que estava se distanciando de tudo o que um dia o definira. O homem que fora respeitado na universidade, cujas palavras orientavam e guiavam, viu-se reduzido a uma sombra de si mesmo, sem forças para lutar contra as correntes que o puxavam para baixo.

O sofrimento que antes vinha da perda de sua mãe, agora era amplificado pela dor silenciosa de sua própria subjugação. Sua vida tornou-se um ciclo vicioso de sacrifícios, e ele, sem coragem para romper as amarras que o prendiam, começou a se perder de forma irreversível. Seu nome, antes sinônimo de respeito, foi esquecido, assim como sua presença nas aulas e nas reuniões que um dia liderara com tanto fervor.

Foi no fundo dessa escuridão, onde a esperança parecia já não ter mais morada, que Fergus encontrou a samambaia. Uma simples planta, que crescia silenciosa em uma janela, parecia estar em total harmonia com a quietude do próprio Fergus. Ela não exigia nada, não pedia nada. Estava ali, com suas folhas finas e verdes, resistindo ao tempo sem necessidade de se provar ou florescer. De algum modo, a samambaia começou a representar para Fergus o que ele já não conseguia ser: uma presença tranquila, imutável, que resistia às adversidades sem lutar.

Fergus começou a olhar para a planta não como uma simples flor, mas como um reflexo de sua própria alma. Ele falava com ela, cuidava dela com carinho, como se ela fosse sua única companhia. As palavras de consolo que ele já não ouvia mais de outros, agora ecoavam silenciosas na quietude de sua casa, onde ele passava seus dias em um estado de contemplação quase mística. Ele não sabia mais o que significava amar, pois o amor, para ele, parecia ser uma força distante, que já não tinha lugar em sua vida.

Com o tempo, Fergus foi perdendo a capacidade de lutar, de se reerguer. Ele se tornara uma versão apática de si mesmo, observando o mundo ao seu redor como uma sombra distante. Não mais o homem audaz que um dia desafiara as correntes da vida, mas alguém que simplesmente aceitava o que lhe era dado, sem questionar, sem mover-se. Ele olhava para a samambaia e via nela o reflexo de sua própria existência: quieta, imóvel, sem qualquer ambição.

A universidade, que antes era seu campo de batalha, agora não passava de um cenário distante, como uma lembrança que ele mal conseguia tocar. Ele não tinha mais forças para reclamar de sua situação. A perda de seus cargos e a degradação de sua reputação não mais lhe causavam dor, pois ele já não se via mais como parte daquele mundo. Ele se tornara, em certo sentido, como a samambaia: uma presença silenciosa, sem relevância, sem força para florescer.

E assim, Fergus MacLeod viveu seus dias, preso em uma vida que já não tinha cor. Ele perdeu a capacidade de amar novamente, e mais do que isso, perdeu a capacidade de se enxergar. Sua alma, que um dia fora vibrante e cheia de sonhos, se tornara uma sombra, quieta e sem vida, como as folhas da samambaia que ele tanto admirava. A vida continuava ao seu redor, mas ele já não a via mais. Ele era a samambaia — imóvel, silenciosa, e eternamente à espera de algo que talvez nunca viesse.

Fergus já não sabia o que ele havia sido ou o que se tornara. Ele era o reflexo de sua própria apatia, um homem perdido nas memórias de um tempo em que a vida ainda parecia ser uma possibilidade. O vento que um dia o havia empurrado para a busca de algo maior, agora o deixava estagnado, sem forças para recomeçar. E assim, ele seguia — uma presença sem cor, sem forma, vivendo no silêncio de sua própria alma.

Por Virgilio Pimentel Galvão

The post CONTO Nº 1 – O ECO DA SAMAMBAIA appeared first on Folha do Estado SC.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.